Soberania em jogo: encontro Armênia-Azerbaijão nos EUA sela ocupação ocidental no Cáucaso?

Por Sputnik Brasil 07/08/2025 - 21:20
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Soberania em jogo: encontro Armênia-Azerbaijão nos EUA sela ocupação ocidental no Cáucaso?

Sob a justificativa de mediar um novo acordo em meio à retomada das tensões na região de Nagorno-Karabakh, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump vai receber em Washington o homólogo do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e o premiê da Armênia, Nikol Pashinyan. Mas qual o real interesse do encontro em meio à aproximação dos países com o Ocidente?

No fim de julho, a divulgação de um memorando secreto entre Armênia, Azerbaijão e Estados Unidos revelava a negociação para criar um corredor estratégico de 42 km gerido por uma empresa privada norte-americana, além de autorizar a presença de uma companhia militar dos EUA com cerca de mil combatentes.

A área fica próxima à fronteira com o Irã e conecta o Azerbaijão ao exclave azeri de Nakhchivan passando pelo território armênio. Diante disso, há temores de que a proposta intensifique as tensões no Cáucaso.

Aliado a isso, o governo armênio passou a ser visto internamente como traidor por ceder a soberania do país sem contrapartidas, intensificando um processo de aproximação com o Ocidente iniciado em 2018 após uma revolução aos mesmos moldes do que ocorreu na Ucrânia.

Do outro lado, há o Azerbaijão, que apesar de não ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), coopera estreitamente com a aliança.

Na próxima sexta-feira (8), os líderes dos dois países do Cáucaso vão se reunir com o presidente Donald Trump na Casa Branca. Oficialmente, a Armênia afirmou que o objetivo da viagem do premiê é intensificar a parceria estratégica com os EUA, enquanto o Azerbaijão se limitou a dizer que o presidente está em Washington para uma visita de trabalho.

O analista geopolítico e membro da Associação de Jornalistas dos BRICS, Lucas Leiroz, pontuou à Sputnik Brasil que a atual postura do governo Pashinyan, principalmente após a divulgação do memorando secreto, não é consenso no país por ferir os interesses da população, conforme apontam pesquisas internas.

"Existem dois processos simultâneos na Armênia. De um lado, tem um crescimento de um ultranacionalismo armênio, processo que é típico de países que passaram por essas revoluções coloridas ocidentalizantes. Elas costumam promover nacionalismos nesses países como uma forma de criar hostilidades contra a Rússia. Por outro lado, existe um nacionalismo autêntico armênio, que simplesmente quer reivindicar os interesses históricos naqueles territórios. Ambos os posicionamentos convergem em uma afronta a Pashinyan, que simplesmente deixou de apoiar os armênios", explica.

O resultado, para o especialista, será uma crise de legitimidade cada vez mais intensa do governo, fenômeno que é típico quando "líderes escolhem servir às interdições de potências estrangeiras em detrimento dos interesses nacionais".

"O que nós temos é um cenário em que a OTAN passa a administrar os dois lados do conflito no Cáucaso. Se a Armênia tivesse continuado a perseguir uma estratégia de aproximação com a Rússia, nós teríamos um cenário de oposição geopolítica clara", resume.

Armênia pode recusar reivindicações históricas?

E o objetivo principal da aliança, segundo Leiroz, é justamente intervir na região e ocupar uma zona de interesse estratégico da Rússia. "É mais interessante para a França, Turquia e Estados Unidos — que são países líderes da OTAN — chegar ao entendimento sobre como administrar essa situação geopolítica da região através de um acordo em que a Armênia decline das suas reivindicações históricas e reconheça o Azerbaijão como controlador desses territórios. Até o governo estadunidense anterior, de Joe Biden, a situação estava escalando para um outro rumo", afirmou.

Com a chegada de Trump no poder, o especialista acrescentou que houve um aumento da pressão para que Armênia e Azerbaijão chegassem a um acordo que nada mais é que "uma pacificação sob o controle da OTAN".

"Os Estados Unidos estão propondo que empresas militares privadas americanas atuem naquela região, garantindo a segurança daquela área. Isso é simplesmente uma forma de sacramentar a ocupação militar ocidental — a ocupação militar da OTAN — sobre aqueles territórios do Cáucaso", disse.

Ocidente fomenta hostilidades contra a Rússia

Aliado a isso, o analista geopolítico acredita que a Rússia, que foi o país que mais cooperou para o equilíbrio no Cáucaso, terá que reconfigurar suas estratégias de inserção regional.

"Isso é claro em relação às últimas hostilidades entre Rússia e Azerbaijão, que foram fomentadas pelo Ocidente para afastar os dois países. Até o momento, o governo azeri mantinha uma postura amigável a Moscou, enquanto a Armênia aumentava sua postura hostil. É basicamente isso que espero para os próximos anos, um aumento do intervencionismo ocidental", frisou.

Já o doutorando em relações internacionais pelo Instituto San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), Guilherme Conceição, afirmou à Sputnik Brasil os últimos eventos na Armênia mostram como a soberania do país e os interesses do povo são colocados cada vez mais em segundo plano.

"Se a percepção for de que a soberania, ou então que o orgulho nacional, estão sendo novamente colocados em segundo plano pelo premiê — o que é uma percepção que já vem sendo bastante observada, principalmente nos últimos eventos acontecidos na Armênia —, isso pode gerar, claro, uma forte reação interna", analisou.

E com relação à proximidade cada vez maior da região com o Ocidente, o especialista frisa que o Cáucaso conta com grandes reservas de petróleo e gás, além de outras riquezas naturais.

"Então, os Estados Unidos, ao apoiar o Pashinyan e mediar esse processo, tentam consolidar uma nova arquitetura de segurança, mas também de energia — não podemos deixar de mencionar — por conta das inúmeras riquezas minerais do Cáspio. Esse processo é voltado aos interesses norte-americanos e também para os interesses de seus aliados ocidentais", finalizou.


Por Sputinik Brasil


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