Conteúdo do impresso Edição 1282

UNIMED EM FOCO

Descredenciamentos colocam usuários na corda bamba para garantir assistência à saúde

Pagamento em dia das mensalidades já não garante acesso a consultas e exames
Por TAMARA ALBUQUERQUE 07/09/2024 - 06:00

ACESSIBILIDADE

Assessoria
Hospital Unimed de Maceió
Hospital Unimed de Maceió

Usuários da maior operadora de saúde de Alagoas, a Unimed Maceió, caminham na corda bamba tentando se equilibrar como podem para garantir que terão assistência nas horas mais delicadas, quando acometidos por uma doença ou acidente com potencial de risco à vida deles próprios ou de familiares. São 178 mil usuários experienciando a insegurança de acesso ao atendimento de que necessitam. O fato de pagar as altas mensalidades já não garante que o cliente da Unimed Maceió terá acesso a consultas e procedimentos na rede credenciada, que este ano encolheu em número de serviços e profissionais, e pode levar clientes a buscarem atendimentos na rede pública, no SUS.

No primeiro semestre de 2024, principalmente, os usuários da Unimed Maceió começaram a visualizar nas redes sociais da operadora avisos de descredenciamentos de serviços. Foi assim com a Santa Casa de Misericórdia de Maceió, que em março deixou de compor a rede para realização de exames eletivos (programados) de imagem, como raios-X, ultrassonografia computadorizada, ressonância magnética e mamografia, entre outros. O descredenciamento do hospital de grande porte e referência no estado assustou o usuário do plano de saúde, que ainda teme que ocorra a supressão de outros procedimentos.

Até então, a Unimed não falava em redimensionamento da rede credenciada. Mas, ainda no primeiro semestre, a empresa voltou a comunicar outro corte. Desta vez, o aviso foi sobre o Laboratório Proclínico, serviço com 30 anos de contrato com a empresa e conhecido entre os maceioenses pela habilidade dos profissionais com crianças. O laboratório sairia da rede prestadora da empresa em julho deste ano. Depois de decisão judicial, no entanto, o serviço voltou a atender o cliente Unimed, porém com prazo final em 30 de novembro, quando o contrato será encerrado.

Em seguida, no mês de maio, veio o descredenciamento do Hospital de Olhos Santa Luzia, que deixaria de receber os conveniados da Unimed também em julho, mas negociou a prorrogação até o final deste ano. Nas redes sociais, a Unimed Maceió informa que os descredenciamentos realizados são “resultados, exclusivamente, de diversas análises do dimensionamento e suficiência da rede credenciada, que vêm sendo realizadas desde o ano passado [2023]”.

OPERADORA FALA EM MOVIMENTO CORRIQUEIRO

A Unimed Maceió afirma que as medidas são “um movimento natural e corriqueiro em qualquer operadora de saúde, desde que realizado de acordo com as normas estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que, entre outras regras, também preconiza um prazo mínimo de 30 dias de aviso prévio aos prestadores e clientes”. A empresa diz atender essa norma de forma rigorosa, divulgando as mudanças com 60 dias de antecedência. Não é o que afirmam os clientes. Eles dizem que são pegos de surpresa ao buscar o atendimento ou ao tentar agendar consultas e exames. Ou seja, não foram comunicados com eficiência pela operadora sobre as alterações na rede credenciada.

O descredenciamento de hospitais, laboratórios, clínicas e profissionais em desacordo com a legislação específica do setor é uma conduta abusiva que ocorre de forma rotineira no setor no Brasil. Isto ocorre porque as operadoras de planos de saúde sabem que apenas um número pequeno de consumidores, em relação ao montante total de clientes, irá recorrer ao Judiciário para buscar o direito de manutenção da rede credenciada. Essa avaliação é da especialista Georgia Gomide em artigo no site Jusbrasil.

Segundo a jurista, o art. 17 da Lei 9.656/98, a lei que rege os planos de saúde, dispõe sobre a possibilidade de descredenciamento por parte das operadoras, mas, para isso, é preciso cumprir alguns requisitos. Já a Resolução Normativa nº 365 da ANS dispõe sobre os critérios de equivalência para a substituição dos prestadores de serviço da rede.

Há dois tipos de descredenciamento, por substituição e por exclusão. No descredenciamento por substituição, a operadora substitui o profissional ou estabelecimento por outro de qualidade técnica semelhante. Neste caso, tanto o beneficiário quanto a ANS precisam ser avisados do descredenciamento com 30 dias de antecedência. No caso de descredenciamento por exclusão, além do aviso prévio ao beneficiário com 30 dias de antecedência, a operada deverá solicitar autorização expressa da ANS. Na comunicação à ANS, a operadora deverá informar a capacidade operacional a ser reduzida com a exclusão e o impacto sobre a massa assistida, a partir de parâmetros definidos pela ANS, correlacionando a necessidade de leitos e a capacidade operacional restante.

“Além disso, seja no descredenciamento por substituição ou descredenciamento por exclusão, aquele beneficiário que já está em tratamento em determinado estabelecimento ou com determinado profissional tem direito de manter o tratamento da forma que está sendo feito, com o profissional que foi descredenciado ou com o estabelecimento que foi descredenciado”, afirma a especialista.

ARTHUR RAMOS DECIDE SE DESLIGAR DA OPERADORA

O caso de descredenciamento da operadora Unimed Maceió mais impactante até o momento envolve o Hospital Memorial Arthur Ramos. Nele, no entanto, a iniciativa de deixar a rede partiu do hospital, que pertence à Rede D’Or desde 2022. Em sua conta no Instagram, a Unimed informou aos clientes que teceu esforços e tratativas para manter o convênio, mas a instituição optou por rescindir o contrato e fazer o descredenciamento de forma unilateral.

Ao EXTRA, o gerente regional de Comunicação e Marketing da Rede D’Or, Cláudio Simões, informou que a decisão de encerrar o vínculo com a Unimed Maceió ocorreu por inadimplência. “Após suportarmos por diversos meses uma pesada inadimplência da operadora, que por vezes alcançou até mesmo exorbitantes 40% do valor devido, patamares esses que inviabilizam não apenas o atendimento dos próprios beneficiários da Unimed Maceió, como também colocam em risco o bom e correto atendimento dos milhares de outros beneficiários de todas as demais operadoras e seguradoras que são diariamente acolhidos no Hospital Memorial Arthur Ramos”.

Depois de recorrer à Justiça, a Unimed conseguiu manter o hospital na rede credenciada até este sábado, dia 7 de setembro. Em 28 de agosto, a empresa recorreu ao Ministério Público do Estado solicitando a intervenção urgente para impedir a rescisão do contrato com o hospital da Rede D’Or. A petição, encaminhada ao procurador-geral de Justiça, Lean Araújo, destacou a gravidade da situação e a ilegalidade da rescisão contratual.

A Unimed alega que a nova administração do hospital começou a cobrar valores e preços excessivos, o que levou a operadora a recusar (glosar) esses encargos para evitar um desequilíbrio financeiro.

“Caso o Judiciário Alagoano não reforme a decisão de manutenção do contrato até o próximo 7 de setembro, a partir de 8 de setembro de 2024 não haverá leitos hospitalares disponíveis para absorver a enorme demanda dos beneficiários dos planos Unimed. São 132 mil usuários de Maceió e 46 mil de outras Unimeds, atendidos via sistema de intercâmbio. É muita gente! E, com o devido respeito, não se constrói um hospital em um passe de mágica! Como já dito, registrado e ressaltado, não existe em Maceió nenhum outro hospital equivalente para substituir o Hospital Memorial Arthur Ramos”.

O Arthur Ramos é responsável pelo atendimento de 31% de todos os clientes da Unimed Maceió. A Unimed está construindo um hospital próprio nas proximidades do Parque Shopping Maceió, no bairro da Cruz das Almas, contudo, a obra física será concluída apenas no final de setembro de 2025. A operadora tenta manter o contrato com o Hospital Arthur Ramos até a conclusão dessa unidade própria, com prazo de operação estimado para junho de 2026. Segundo a empresa, o novo hospital será capaz de substituir com equivalência o hospital da Rede D’Or.

REDUÇÃO NO NÚMERO DE PROFISSIONAIS

Antes de descredenciar serviços, a Unimed Maceió vinha reduzindo paulatinamente o número de profissionais da rede credenciada. Uma das consequências dessa medida que atormenta o usuário é a baixa oferta de consultas. Sumiram do plano médicos urologistas, ginecologistas, psiquiatras, psicólogos, geriatras, endocrinologistas, entre outras especialidades. As agendas daqueles que permaneceram são abertas dois meses antes da pouca oferta de vagas, levando pacientes a descontinuarem tratamentos ou não obterem bons resultados.

Em alguns casos, os profissionais credenciados estão tão sobrecarregados que recusam atendimento de pacientes de primeira vez. A Unimed Maceió orienta o usuário a buscar um profissional particular e, depois, tentar o ressarcimento do valor pago. Essa prática, no entanto, precisa passar pela avaliação da operadora e está restrita a uma única consulta.

Os planos de saúde no Brasil tiveram um lucro líquido de R$ 3,3 bilhões no primeiro trimestre de 2024, segundo o Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar, divulgado pela Agência Nacional de Saúde, a ANS. Portanto, analistas afirmam que é “ridículo essas empresas dizerem que têm prejuízo com os convênios médicos”. 

No início do ano, foi o caso da Hapvida, que na Região Nordeste descredenciou serviços sob o argumento de reequilíbrio financeiro. Durante este primeiro semestre, porém, o lucro líquido da operadora cresceu 1.380%, o que mostra que o descredenciamento de hospitais e médicos “pode ser apenas uma tática para aumentar o lucro”, afirma o analista Lucas Silvestre, ao site Valor Econômico.


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