CONJUNTURA
Estudo aponta que Cria não teve impacto na redução da mortalidade infantil
Melhorias em infraestrutura também são necessárias, alinhadas às políticas sociaisA trinca voto, dinheiro e poder funciona principalmente quando olhamos para Alagoas, um dos estados mais pobres do Brasil, segundo se observa na análise do professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Cícero Péricles. 94,7% da população recebe até dois salários mínimos. E apenas 1,1% (32 pessoas) ganha acima de cinco salários mínimos, segundo levantamento do IBGE. Pouco mais de dois milhões de pessoas estão no CadÚnico – dois a cada três habitantes no estado.
Ao longo dos anos, o peso dos municípios no dia a dia do funcionamento das próprias instituições locais também é uma realidade. Em 1988 havia 33.475 servidores municipais; em 2021, 124.836. Já os servidores estaduais caíram de 61.748 em 1988 para 47.098.
Ainda assim é preciso olhar outras variantes. Uma delas é a qualidade do serviço ofertado para a população, o que implica no impacto da política pública e o resultado deste trabalho.
Mestre em Economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Thalles Fernandes Terra Gago pesquisou a política de primeira infância em Alagoas. Avaliou o Cria, lançado em 2018, quando Renan Filho (hoje ministro dos Transportes) era governador. E concluiu que não houve queda significativa na taxa de mortalidade infantil, causada diretamente pelo programa.
“Não foi possível afirmar que o Programa Criança Alagoana [Cria] possui efeito causal sobre a taxa de mortalidade infantil para o ano de 2021 considerando o grupo de controle”, escreve na dissertação *Desenvolvimento Infantil em Foco: Avaliação da Política de Primeira Infância no Estado de Alagoas*, apresentada este ano para obtenção do título de mestre.
“Esse achado pode indicar que a política de primeira infância é necessária, mas não o suficiente para reduzir a taxa de mortalidade infantil. Essa possui influência do ambiente externo, como acesso a saneamento básico, alimentação adequada e vacinação no tempo certo”.
Ou seja: mesmo existindo um programa estadual específico de desenvolvimento infantil e assistência na tenra idade, o contexto se impõe: 82% da população não possui coleta de esgoto; 25% não têm acesso a água. “Essas melhorias em infraestrutura, alinhadas às políticas sociais, podem catalisar nas estatísticas sociais”.
É certo que há uma volumosa transferência de recursos públicos também para atender a população mais vulnerável, mas será que a renda garantida pelos programas sociais para estas famílias tem impacto no combate à desnutrição infantil? As crianças beneficiadas obtêm os melhores indicadores de rendimento escolar ou no mercado de trabalho quando comparadas às outras da mesma origem e sem serem beneficiadas por alguma política voltada à primeira infância? O pesquisador deixa as questões em aberto para futuros estudos.
O Programa da Criança Alagoana (Cria) foi criado através da Lei 7.967/2018. No ano de 2015, 13,41% das crianças entre 0 e 5 anos estavam em estado de desnutrição; 57% delas viviam em situação de pobreza ou extrema pobreza e a taxa de mortalidade infantil era de 14,65 por mil nascidos vivos.
Foi quando começou o Cria, em experiência piloto na cidade de Murici.
Hoje, diz o governo do Estado, o Cria “é uma política pública de caráter intersetorial, estruturado a partir da integração de políticas nas áreas de Saúde, Educação e Assistência e Desenvolvimento Social”. Objetivo – ainda de acordo com o próprio governo – “é promover o desenvolvimento infantil integral na primeira infância, desde a gestação até os seis anos de idade, englobando os aspectos físicos, cognitivos e psicossociais, levando em consideração a família e seu contexto de vida”.
Este programa gerou o Cartão Cria, tratado pela gestão estadual como “o maior programa de transferência de renda” do estado, desde o início da gestação até os 72 meses de vida. O público são as famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, cadastradas no CadÚnico.
Mais recentemente o governo atrelou este programa à construção das creches Cria. São 62 unidades inauguradas, abrindo 12.400 vagas e gerando 2.480 empregos. Investimentos superando os R$ 322 milhões.