IMPASSE
Ministro do STF mantém tabelião à frente do cartório mais rentável de Alagoas à revelia do CNJ
Perícia para avaliar sanidade mental e física de Stelio Albuquerque está parada há 19 meses
A Corregedoria Geral de Justiça de Alagoas (CGJAL) tenta há mais de um ano cumprir com uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que visa saber se o tabelião do cartório mais rentável de Alagoas, que somente no primeiro semestre deste ano arrecadou mais de R$ 9 milhões, tem ou não condições físicas e mentais de permanecer à frente da serventia. Trata-se de Stelio Darci Cerqueira de Albuquerque, hoje com 96 anos e que desde novembro de 1955 comanda o 1º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Maceió.
A perícia foi determinada pelo CNJ depois que uma inspeção extraordinária em serventias extrajudiciais de Alagoas, realizada em outubro de 2021 pela Corregedoria Nacional de Justiça, constatou que Stelio apresentava dificuldades de fala e entendimento. O tabelião, então com 93 anos, não teria conseguido detalhar o funcionamento da serventia, nem entender o que lhe era perguntado pelos inspetores.
O relatório da inspeção, aprovado pelo CNJ em 2022, determinou então, dentre outras recomendações, que Stelio Albuquerque fosse submetido a exames médicos, o que chegou a ser providenciado pela CGJAL mediante a nomeação de uma comissão formada por médicos e assistente social. Ocorre que a perícia médica, marcada para abril do ano passado, foi suspensa pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de liminar que até hoje – 1 ano e 7 meses depois – impede que o tabelião tenha sua condição física e mental avaliada.
A liminar de Mendonça foi dada no bojo do Mandado de Segurança 39.118, impetrado por Stelio Albuquerque em abril do ano passado, poucos dias antes da data marcada para a avaliação, sob o argumento inicial de que o relatório de inspeção da Corregedoria Nacional de Justiça, aprovado pelo CNJ, não teria sido assinado por quem participou da inspeção.
Cartório faturou mais de R$ 19 milhões no ano passado
O impasse na avaliação médica de Stelio Darci Cerqueira de Albuquerque tem como pano de fundo a disputa pelo controle do cartório que mais arrecada em Alagoas. Trata-se de um faturamento milionário que no ano passado passou de R$ 19 milhões: foram exatos R$ 19.487.222, conforme os registros oficiais enviados à Corregedoria Nacional de Justiça, órgão hierarquicamente vinculado ao Conselho Nacional de Justiça e responsável pelo controle das serventias extrajudiciais via Corregedoria Geral de Justiça de cada estado.
O 1º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Maceió, localizado na Praça dos Palmares, no Centro da capital, não é a única serventia em posse da família do tabelião idoso. Stelio é pai do ex-deputado federal Sérgio Toledo, tabelião oficial do 3º Registro de Imóveis e Distribuição de Títulos para Protesto de Maceió, localizado no térreo do Edifício Delmiro Gouveia, e com faturamento igualmente milionário: R$ 6.919.250,69 no ano passado e R$ 3.367.085,52 no primeiro semestre deste ano.
O cartório de Sérgio Toledo é até agora o quarto mais rentável este ano. À frente dele, em segunda e terceira posições, estão o Alagoas Serviços do 1º Ofício Registro de Imóveis, localizado em Arapiraca, que arrecadou R$ 6.708.045,39 no primeiro semestre deste ano, e o 2º Cartório de Protesto de Títulos e Letras, em Maceió, cujo faturamento no mesmo período foi de R$ 3.851.060,17. A primeira posição em faturamento continua com o cartório do pai: R$ 9.945.414,10 de janeiro a junho últimos.
CGJAL aguarda decisão do Supremo sobre ação contra perícia
A Corregedoria Geral da Justiça de Alagoas (CGJAL) instaurou, em 30 de janeiro de 2023, o procedimento administrativo para cumprir com a determinação do CNJ. A medida, resultado da Correição Ordinária nº 0008056-17.2021.2.00.0000, visava avaliar a aptidão física e mental de Stelio Darci Cerqueira de Albuquerque.
A determinação surgiu a partir de uma correição extraordinária realizada em outubro de 2021 nas serventias extrajudiciais de Alagoas. Para atender à ordem, a CGJAL designou uma equipe multidisciplinar composta por geriatra, psiquiatra, psicólogo e assistente social, todos do Departamento de Saúde e Qualidade de Vida do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL).
Após tentativas frustradas de realizar a avaliação, a perícia foi agendada para 20 de abril de 2023. Contudo, dois dias antes, Stelio Darci ingressou com o Mandado de Segurança no STF, solicitando a suspensão do ato. Em decisão monocrática, o ministro André Mendonça concedeu liminar em 19 de abril de 2023, suspendendo a avaliação médica e os procedimentos administrativos relacionados ao caso.
O procedimento administrativo segue suspenso até que o mérito do mandado de segurança seja julgado pelo STF. Desde 10 de setembro deste ano, o processo encontra-se concluso ao relator, aguardando deliberação.
A defesa do tabelião, no Mandado de Segurança, questionou a legalidade da determinação para avaliação médica de seu cliente emitida pelo CNJ. Segundo os advogados, a Correição Extraordinária realizada em outubro de 2021 extrapolou o escopo fixado na Portaria nº 74, de 25 de outubro de 2021, que convocou o procedimento.
De acordo com a defesa, o estado de saúde de Stelio não consta entre os fatos a serem analisados no processo de correição e, mesmo que estivesse, tal averiguação não seria cabível. Isso porque, conforme o artigo 54 do Regimento Interno do CNJ, apenas atos relacionados a graves deficiências nos serviços poderiam ser objeto de correição.
Stelio Darci, que assumiu a serventia em 8 de novembro de 1955, segue como titular do cartório, tendo como substituto legal João Toledo de Albuquerque, filho do tabelião.
Vale destacar que a correição identificou que Stelio Darci não teria mais condições físicas e cognitivas para exercer suas funções. Segundo o relatório, durante a entrevista, o titular apresentou dificuldades notáveis de comunicação, com fala desconexa e raciocínio confuso.
Familiares atribuíram a situação a um problema no aparelho auditivo que o tabelião utilizava no dia. Apesar da explicação, o comportamento levantou questionamentos sobre sua capacidade de continuar à frente da serventia. Boa parte das perguntas feitas pela equipe da correição foi respondida por um dos substitutos, enquanto Stelio permanecia em silêncio por longos períodos.
Incapacidade mental é motivo para cartório ser declarado vago
Ao EXTRA, a assessoria da CGJAL explicou que a atuação de familiares na serventia é permitida desde que respeitadas as normas trabalhistas. Caso formalizados como substitutos legais, os filhos do titular podem praticar todos os atos da serventia, exceto a lavratura de testamentos em tabelionatos de notas, conforme estipulado no artigo 20 da Lei Federal nº 8.935/1994.
No entanto, a inclusão do cartório de Stelio no Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registros do Estado de Alagoas não estaria em discussão no momento. Isso porque o 1º Cartório não estava listado entre as serventias em vacância, condição necessária para ser submetido ao processo de seleção pública.
A vacância pode ocorrer apenas em casos previstos no artigo 39 da Lei nº 8.935/1994, como morte, invalidez – como parece ser o caso de Stelio Albuquerque – ou renúncia do titular. Caso isso aconteça, o cartório será considerado vago e deverá ser preenchido por meio de concurso público. Atualmente, o cartório mantém status de “provido”, com Stelio Darci como responsável titular.
O futuro da serventia dependerá das decisões judiciais em curso, incluindo o Mandado de Segurança no Supremo, que suspendeu a avaliação médica determinada pelo CNJ.
“O 1º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Maceió não se encontra incluído na relação das serventias extrajudiciais de Alagoas que serão providas por meio do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registros do Estado de Alagoas em andamento.
O certame em curso tem como finalidade o provimento das unidades extrajudiciais que estão em situação atual de vacância, não se inserindo no rol o 1º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Maceió/AL (CNS 00.173-5) diante de seu status jurídico de provido.
Em caso de eventual vacância da referida unidade extrajudicial por quaisquer das hipóteses previstas no art. 39 da Lei Federal nº 8.935/1994 (morte, aposentadoria facultativa, invalidez, renúncia e perda), o cartório extrajudicial em evidência terá a situação jurídica alterada para ‘vago’ e estará passível de provimento por concurso público de provas e títulos”, concluiu Anderson Santos dos Passos, juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça de Alagoas e juiz coordenador do Extrajudicial, por meio de nota na qual responde aos questionamentos do semanário.