CASO KLEBER MALAQUIAS
TJ tranca ação penal contra delegado acusado de manipular investigação do homicídio
Decisão da Câmara Criminal sobre Daniel Mayer gerou divergência entre desembargadores
A decisão da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) de trancar a ação penal contra o delegado de polícia Daniel José Galvão Mayer, acusado pelo MinistérioPúblico de manipulação processual no caso do assassinato do empresário Kleber Malaquias, tem gerado repercussão dentro e fora do meio jurídico. O julgamento, que terminou com maioria favorável ao habeas corpus impetrado pelo delegado, revelou divergências entre os desembargadores e levantou questionamentos sobre possíveis conflitos de interesse.
O relator do caso, desembargador Ivan Vasconcelos Brito Júnior, presidente da Câmara Criminal, teve seu parecer acompanhado pelos desembargadores Tutmés Airan de Albuquerque Melo e João Luiz Azevedo Lessa, votando pela concessão do habeas corpus com o trancamento da ação penal. O voto divergente foi do desembargador Domingos de Araújo Lima Neto, que defendeu a manutenção da denúncia apresentada pelo Ministério Público de Alagoas (MPAL).
Em seu voto divergente, Domingos Neto afirmou que já existiam elementos que indicavam indícios de autoria e materialidade dos crimes atribuídos a Mayer, afastando a tese de atipicidade das condutas levantada pela defesa. Segundo ele, a instrução processual seria essencial para esclarecer as suspeitas e não havia, naquele momento, fundamento jurídico para encerrar a ação penal.
O desembargador citou documentos anexados ao processo, incluindo relatórios da Polícia Federal sobre o celular de uma das investigadas, Josefa Cícera Nunes Flores, que apontavam possíveis relações envolvendo Mayer, o policial civil Eudson Oliveira de Matos e outros suspeitos, reforçando a necessidade de continuidade da investigação diante
da possibilidade de obstrução da Justiça.
O Ministério Público imputou a Mayer uma série de crimes, qualificando suas condutas prejudiciais à investigação do homicídio. Entre as acusações estão fraude processual, com base na suposta coleta e juntada de depoimentos pouco antes do julgamento de alguns réus pelo Tribunal do Júri, alterando a narrativa de autoria e atribuindo o crime a um terceiro já falecido, conhecido como “Sargento Fábio”, no caso Alessandro Fábio da Silva, assassinado pela companheira Josefa Cícera Nunes Flores em 2022.
Também foram apontadas violações de sigilo funcional, pelo compartilhamento de declarações e documentos sigilosos com Eudson Oliveira de Matos, policial civil acusado de envolvimento na morte do empresário, sem autorização judicial, e abuso de autoridade, com ações que teriam prejudicado a coleta de provas e favorecido investigados próximos a Mayer. O MP ainda mencionou falso testemunho, tentativa de obstrução da investigação e centralização de informações que teriam gerado tumulto processual, além de relações pessoais, profissionais e financeiras entre os envolvidos.
Apesar das acusações, a maioria da Câmara Criminal entendeu que os atos praticados pelo delegado estavam dentro de suas atribuições legais, não configurando fraude processual nem abuso de autoridade, e decidiu pelo trancamento da ação penal. O julgamento também suscitou debates sobre possíveis conflitos de interesse, já que o desembargador João Luiz Azevedo Lessa é irmão de Antônio Carlos Lessa, presidente da Associação dos Delegados de Polícia de Alagoas (Adepol), entidade que atua em defesa de Daniel Mayer.
Embora não haja irregularidade formal, essa ligação provocou questionamentos sobre a imparcialidade dos julgadores.
A defesa de Mayer, representada pelos advogados Fidel Dias de Melo Gomes, Luiz Gustavo Gonçalves Vieira Firmino e Marco Aurélio Lessa Tenório Cavalcante, argumentou que não havia elementos suficientes para sustentar a denúncia e classificou as imputações como tentativas de criminalizar a atuação legítima do delegado.
Vale salientar que em 2020, Fidel Dias foi preso na Operação Bate e Volta, que investigou advogados que supostamente extorquiam presidiários. À época, o advogado Hugo Braga, filho do juiz José Braga Neto, também foi acusado de participar do esquema. A decisão favorável a Mayer não se estendeu automaticamente aos demais réus, como Eudson
Oliveira de Matos e Josefa Cícera Nunes Flores. O Ministério Público interpôs recurso especial contra o acórdão, buscando reverter o trancamento da ação penal.
Assassinato sem mandante
O caso de Kleber Malaquias, ativista político e empresário de Rio Largo, ganhou destaque nacional após seu assassinato em julho de 2020. Conhecido por denunciar irregularidades envolvendo políticos e autoridades, inclusive magistrados, Kleber foi morto a tiros em um bar da cidade. A motivação do crime teria sido sua atuação como denunciante, o que levou à elaboração de um plano minucioso para sua execução, incluindo adulteração de placas de veículos e uso de linhas telefônicas falsas para despistar as investigações.
Em setembro de 2024, o policial civil Eudson Matos foi preso pela Polícia Federal, acusado de envolvimento no assassinato. Ele teria desempenhado um papel essencial na concretização do crime, oferecendo apoio logístico e sendo o principal elo com o autor intelectual do homicídio.
O julgamento dos réus começou em fevereiro de 2025. Quatro dos seis acusados foram condenados pelo Tribunal do Júri. As penas variaram conforme o grau de participação: Fredson José dos Santos recebeu 30 anos de prisão; Marcelo José Souza da Silva, 24 anos; Edinaldo Estevão de Lima, 8 anos; e o sargento José Mário de Lima Silva, 8 anos e 4
meses.
O caso continua sendo investigado, uma vez que o nome do mandante, supostamente político, ainda é mistério.