brasília
Impunidade levou Congresso a rever blindagem parlamentar em 2001
PEC gera debate sobre risco de favorecimento à corrupção
Durante a década de 1990, a opinião pública brasileira se chocou com centenas de casos de impunidade envolvendo senadores e deputados investigados por crimes como corrupção, assassinatos e tráfico de drogas. A exigência de autorização prévia da Câmara ou do Senado para processar parlamentares tornava-os praticamente intocáveis enquanto durava o mandato, atrasando investigações por anos.
A indignação popular culminou na aprovação da Emenda Constitucional 35, em dezembro de 2001, que eliminou a necessidade de autorização do Congresso para processar criminalmente deputados e senadores.
Casos emblemáticos
Entre os episódios que impulsionaram a mudança está o do “deputado da motosserra”, Hildebrando Pascoal, eleito em 1998 no Acre. Condenado posteriormente por tráfico de drogas e homicídios, incluindo esquartejamentos, ele só pôde ser julgado após deixar o Parlamento. Segundo a jornalista Tereza Cruvinel, ex-presidente da EBC e veterana da cobertura política, “mesmo nos casos mais chocantes, o Congresso preferia cassar o mandato a permitir a ação do Judiciário”.
Outro caso que acelerou a aprovação da EC 35 foi o desabamento do Edifício Palace 2, no Rio de Janeiro, em 1998, que matou oito pessoas. O responsável técnico pela obra era o deputado federal Sérgio Naya, que também enfrentava processos relacionados à tragédia.
Ainda na década de 1990, o então governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, atirou contra seu rival político Tarcísio Burity em um restaurante de João Pessoa. Ele só foi processado após a EC 35, mesmo tendo sido eleito senador em 1995 e se beneficiado da imunidade parlamentar por oito anos.
Origem da imunidade
A exigência de autorização para processar parlamentares foi incluída na Constituição de 1988 como medida de proteção após 21 anos de ditadura militar. “A Constituinte queria resguardar os parlamentares contra perseguições políticas e eventuais abusos, algo que hoje pode ser interpretado como blindagem indevida”, explica Tereza Cruvinel.
Especialistas e organizações de combate à corrupção alertam que a PEC 3 de 2021, conhecida como PEC da Blindagem, pode abrir espaço para favorecimento de crimes envolvendo emendas parlamentares. Para Orlange Maria Brito, analista legislativa, “a imunidade criada para proteger parlamentares em um contexto de redemocratização vem sendo desviada de seu propósito original”.
A PEC da Blindagem
A proposta atual prevê que parlamentares só possam ser processados mediante autorização da maioria das casas legislativas em votação secreta. Defensores da medida afirmam que o objetivo é proteger o mandato contra interferências indevidas do Judiciário e supostas perseguições políticas.
O relator da PEC, deputado Claudio Cajado (PP-BA), afirma que a proposta “não é uma licença para abusos, mas um escudo protetivo da defesa do parlamentar e do respeito ao Congresso”. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) reforçou que “quem cometer crime vai pagar; o Congresso não impede investigações contra criminosos”.