POLÍTICA

Contra o STF, avançam na Câmara projeto antiaborto e PEC das Drogas

Pautas tratam-se de frentes de confronto entre a ala conservadora do Congresso Nacional e a Corte
Por Agência Estado 14/06/2024 - 04:00

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© Lula Marques/ Agência Brasil
Câmara dos Deputados avançou ontem na tramitação do projeto de lei que equipara aborto a homicídio
Câmara dos Deputados avançou ontem na tramitação do projeto de lei que equipara aborto a homicídio

Em reação claramente contrária a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e em favor de uma pauta mais alinhada ao setor mais conservador da sociedade, a Câmara dos Deputados avançou ontem na tramitação do projeto de lei que equipara aborto a homicídio após 22 semanas de gestação e na proposta de emenda à Constituição (PEC) que endurece a legislação sobre usuários e traficantes de droga.

O texto que equipara a homicídio o aborto mesmo quando a mulher é vítima de estupro teve a urgência para análise em plenário aprovada de modo simbólico e sem que seu detalhamento fosse citado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Alguns parlamentares sequer perceberam o que era definido. Houve reclamações sobretudo do PSOL, que é contrário à iniciativa.

O projeto tem o apoio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e da bancada da bala, três dos grupos mais conservadores do Legislativo. Agora, a matéria será analisada diretamente no plenário, sem precisar passar antes por discussões em comissões temáticas da Câmara. A expectativa do autor da proposta, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e do presidente da FPE, Eli Borges (PL-TO), é de que o mérito seja votado já na semana que vem.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), porém, disse ontem que o compromisso que fez foi apenas de pautar o requerimento de urgência. "Nada é reação a nada. A bancada evangélica, cristã, católica tem essa pauta antiaborto na Casa. Não é novidade para ninguém. Eu apenas comuniquei no colégio de líderes que havia sido feito um pedido de votação de urgência de um projeto para se discutir o tema", disse a jornalistas.

CONFRONTO

Trata-se, porém, de mais uma frente de confronto entre a ala conservadora do Congresso Nacional e o STF. Em maio, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou a suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas resultantes de estupro.

A técnica, feita em casos de aborto legal, consiste na injeção de uma substância que provoca a morte do feto para que depois ele seja retirado do útero da mulher. A resolução dificulta a interrupção da gestação. "É uma pauta que tem que ser resolvida com urgência pela decisão monocrática de Alexandre de Moraes, que faz um contraponto à decisão do Conselho Federal de Medicina. Houve uma compreensão dele (Lira) e dos líderes que temos que resolver isso no Legislativo, até porque esse é o foro ideal para resolver isso", afirmou o presidente da bancada evangélica, Eli Borges (PL-TO). "Esse Parlamento é conservador", ressaltou. Esta semana, definiu-se que a liminar de Moraes será analisada em plenário presencial do STF, ainda sem data definida.

"Quando os médicos decidem, por que o Congresso tem de obrigar, por que o STF tem de obrigar?", indagou a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), uma das principais articuladoras da iniciativa. "Tem partido que quer matar bebê? Em outros assuntos, a gente até senta para negociar. Com relação à vida, não tem concessão", disse. Ela crê que a proposta deve passar sem problemas e o Centrão endossará a proposta encabeçada por bolsonaristas. "Chegando aqui (no Senado), vai ser imediata (a entrada do projeto em pauta). Eu já até sugeri obstrução se não passar logo", afirmou.

DETALHAMENTO

Caso a matéria seja aprovada, o aborto nos casos em que a gestação ultrapassar 22 semanas e houver viabilidade do feto passa a ser homicídio simples. O Código Penal determina atualmente prisão de 1 a 3 anos para quem realiza aborto fora dos casos previstos em lei. Para homicídio simples, a pena é de 6 a 20 anos de reclusão. "O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária", diz um trecho do projeto de lei.

LULA. O projeto faz parte da chamada "pauta de costumes" capitaneada pela oposição no Congresso e desagrada ao governo Lula e a sua base de esquerda. A aprovação do texto ocorre após a sessão de análise de vetos que trouxe uma série de derrotas ao Executivo.

Temeroso, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), já se afastava da discussão do aborto anteontem. "Isso não é assunto de governo", disse na terça-feira. Durante a tramitação ontem, Sóstenes não deixou de provocar o presidente. "Quero ver se ele vai sancionar ou se vai vetar esse projeto sobre aborto."

PEC DAS DROGAS

Mais cedo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a chamada PEC das Drogas por 47 votos a 17, com mais recados de congressistas ao Supremo Tribunal Federal. A proposta agora será analisada em uma comissão especial, antes de poder ir a plenário.
A PEC, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, inclui um trecho na Constituição para criminalizar quem tiver o porte e a posse de qualquer droga ilícita. Ainda que haja diferenciação de penas entre traficante e usuário, caso a proposta seja aprovada no Congresso, o usuário infrator que for pego, mesmo que com quantidade mínima, terá de fazer tratamento contra dependência e cumprir penas alternativas.

No debate na CCJ, deputados da oposição acusaram governistas de agirem em defesa do tráfico e do crime organizado. Já os governistas rebateram, dizendo que a proposta não trata de descriminalização e a visão de punir usuário não vai resolver o problema. "Não se trata, ao contrário de algumas afirmações falaciosas, de legalizar drogas ilícitas e sim constitucionalizar a penalização do usuário, inclusive de consumo pessoal de drogas hoje proibidas", disse Chico Alencar (PSOL-RJ).

Neste momento, o Congresso e o STF têm visões diferentes sobre como tratar o usuário de maconha. Na Corte, cinco ministros já disseram que desejam descriminalizar a pessoa que tiver droga para uso pessoal. Três foram contrários. "Está na hora de dizer ao Supremo que esta Casa está legislando sim sobre essa matéria em defesa da juventude brasileira", afirmou Eli Borges.

O relator da PEC, deputado Ricardo Salles (PL-SP), que até pretendia impor regras mais duras a traficantes e usuários, não fez alterações no texto do Senado para garantir aprovação mais rápida. No Supremo, o ministro Dias Toffoli devolveu para julgamento o caso, ainda sem data de análise. Além dele, restam votar Luiz Fux e Cármen Lúcia.


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