ECONOMIA

Aumento do IOF: quais implicações constitucionais, econômicas e sociais?

Advogada avalia a coerência da política fiscal e os limites constitucionais da tributação
Por Assessoria 05/08/2025 - 14:11
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Advogada Alline Guimarães Marques faz análise sobre os efeitos do aumento do IOF
Advogada Alline Guimarães Marques faz análise sobre os efeitos do aumento do IOF

O recente aumento do IOF , Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio, Seguros e relativas a Títulos ou Valores Mobiliários, recoloca em debate uma série de questões relevantes sobre a racionalidade do sistema tributário brasileiro, a coerência da política fiscal e os limites constitucionais da tributação.
“Embora o IOF seja, em sua essência, um imposto de natureza extrafiscal, sua utilização reiterada como mecanismo de arrecadação configura uma distorção da finalidade original e impõe sérios ônus ao setor produtivo e à população em geral”, aponta a advogada Alline Guimarães Marques ,Mestre em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP/DF.

Instituído pelo artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, o IOF é um imposto de competência da União, cuja função primordial seria regular a economia, especialmente o mercado de crédito, de câmbio, de seguros e de valores mobiliários. Por sua natureza extrafiscal, espera-se que o IOF atue como instrumento de intervenção conjuntural do Estado, podendo ser aumentado ou reduzido por decreto presidencial com base em critérios de urgência e oportunidade. “No entanto, na prática, o tributo tem sido utilizado de forma recorrente com objetivos arrecadatórios, o que desvirtua sua função constitucional e compromete a transparência fiscal” , explica Alline.

Para a advogada, o aumento recente das alíquotas do IOF sobre operações de crédito, tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas, representa, na prática, um encarecimento do custo do dinheiro. “O crédito, que já sofre com elevadas taxas de juros no país, torna-se ainda menos acessível, especialmente para os pequenos empreendedores, microempresas e cidadãos em situação de vulnerabilidade financeira. Em um país com sérias dificuldades de inclusão financeira, essa medida tem efeitos regressivos diretos, ampliando as desigualdades sociais e regionais”, ressalta a advogada tributarista.

Do ponto de vista jurídico-tributário, o aumento do IOF por meio de decreto é legal, conforme prevê o artigo 153, §1º, da Constituição, que autoriza o Poder Executivo a alterar as alíquotas do imposto sem necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional. “Contudo, o fato de algo ser legal não significa, necessariamente, que seja legítimo ou desejável em termos de justiça fiscal e equilíbrio federativo. A excessiva flexibilização do IOF permite ao governo alterar, quase que instantaneamente, a carga tributária incidente sobre operações financeiras, sem debate público, sem previsibilidade e sem transparência”, ressalta a especialista
Outro aspecto preocupante para a advogada, é a forma como o IOF afeta negativamente o ambiente de negócios no país. 

“Ao encarecer o crédito, o imposto desestimula o investimento produtivo, prejudica o capital de giro das empresas e impacta diretamente o consumo. A elevação da alíquota em momentos de retração econômica, ou sem uma justificativa extrafiscal clara, acaba por agravar a instabilidade econômica e inibir a retomada do crescimento”, explica.

A advogada Alline Guimaraes pontua que não menos relevante é o impacto que o aumento do IOF tem sobre a inflação. Para ela , ao tributar o crédito, o governo interfere nos mecanismos de financiamento do consumo, o que pode repercutir nos preços finais dos produtos e serviços. Assim, mesmo que o objetivo declarado seja de ajuste fiscal, o efeito colateral pode ser a elevação dos índices inflacionários, atingindo diretamente a população de menor renda.

Também cabe destacar que o aumento do IOF é sintomático de uma falha estrutural do sistema tributário brasileiro, que recorre com frequência a tributos indiretos e cumulativos para compensar a fragilidade da arrecadação direta e progressiva. Enquanto tributos como o Imposto de Renda sobre grandes fortunas seguem subutilizados, a carga tributária recai, de forma desproporcional, sobre o consumo e o crédito, aprofundando as distorções distributivas do sistema.

“A elevação do IOF em detrimento de outros tributos pode violar os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, previstos nos artigos 145, §1º, e 150, inciso IV, da Constituição Federal. Ainda que se reconheça a legalidade formal do ato, é preciso avaliar sua compatibilidade com os limites materiais do poder de tributar, especialmente quando os efeitos econômicos e sociais da medida são profundamente regressivos”, pontua Alline.

No cenário internacional, o IOF brasileiro representa uma anomalia. Poucos países adotam tributos semelhantes com a mesma frequência e abrangência, sobretudo com variação tão arbitrária das alíquotas. O uso constante do IOF como fonte de receita corrente reduz a previsibilidade fiscal, compromete a segurança jurídica e gera instabilidade nos contratos, o que afugenta investimentos estrangeiros e penaliza o setor produtivo nacional.

É importante lembrar que a função extrafiscal do IOF pressupõe o uso pontual e estratégico do imposto, para corrigir distorções temporárias ou frear movimentos especulativos que possam desestabilizar o sistema financeiro. O uso continuado do IOF como fonte de arrecadação compromete sua credibilidade como instrumento de política econômica e evidencia a urgência de uma reforma tributária que estabeleça limites mais claros ao seu uso.

A advogada defende que o aumento do IOF sem debate legislativo ou participação social contribui para a opacidade do sistema tributário. “A sociedade é surpreendida por alterações que afetam diretamente sua vida financeira, sem qualquer espaço para manifestação ou controle social. Essa dinâmica mina a legitimidade da política fiscal e contribui para o sentimento de insegurança jurídica e desconfiança nas instituições”, argumenta Alline.

Em síntese, o aumento do IOF, embora juridicamente possível, é um instrumento que deveria ser usado com parcimônia, previsibilidade e finalidade clara. “Sua aplicação recorrente, com fins arrecadatórios, afronta os princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva, da transparência e da justiça fiscal. Em um sistema tributário já marcado por excessos, complexidade e regressividade, medidas como essa apenas reforçam a urgência de uma reforma ampla, democrática e que tenha como foco a redistribuição da carga tributária e a racionalização dos instrumentos fiscais”, finaliza a advogada.


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