MEMÓRIA BRASILEIRA
Conheça Clara Charf, a maceioense que lutou ao lado de Marighella

Quem foi conferir o filme Marighella em sua rápida passagem pelos cinemas da capital conferiu na trama a personagem Clara Charf, interpretada por Adriana Esteves. Era a esposa de Carlos Marighella, ex-deputado, poeta e guerrilheiro brasileiro que foi executado pela ditadura militar em 1969.
Poucos sabem, mas Clara Charf nasceu em Maceió no dia 17 de julho de 1925, mas acabou sendo criada na capital pernambucana, Recife. Filha de judeus, ela começou a militar no PCB em 1945, motivada pela história de Anita Leocádia Prestes, a filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário, que acabara de retornar ao Brasil.
Após atuar em movimentos populares e feministas, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como secretária da bancada comunista na Câmara dos Deputados.
“Comecei a me interessar por política numa época em que o feminismo não era tão forte e desenvolvido. Minha militância iniciou em 1945 quando terminou a 2ª Guerra Mundial. Naquele período, as questões feministas estavam misturadas em políticas que lutavam contra o fascismo e a guerra. Ao mesmo tempo, eu queria igualdade às mulheres, pois como militante, sentia dificuldades para fazer as coisas que gostaria. Nós, mulheres, fazíamos reuniões e os maridos pensavam que estávamos tramando alguma coisa. Tudo era ainda muito atrasado. Com o tempo, as lutas políticas foram crescendo e as mulheres se organizaram especificamente”, contou.
Ainda conforme a ativista alagoana, a luta feminista ganhou força na Rússia. “Em 1963 participei de um congresso mundial de mulheres em Moscou, ainda capital da União Soviética, que reuniu cerca de duas mil pessoas. Quando estávamos no evento foi dada uma notícia que pegou todos nós de surpresa. Os soviéticos tinham enviado a primeira mulher para o espaço (Valentina Tereshkova). Na época, um jornal do Rio de Janeiro fez campanha contra ao falar que o fato era mentira e, depois, que a astronauta não poderia ter mais filhos. O fato provou que a mulher era capaz de ir ao cosmo, continuar com a sua feminilidade, ser mãe e ajudar com o avanço da humanidade”.

No entanto, no Brasil, de acordo com Clara, a luta da mulher foi prejudicada pelo militarismo. “O golpe militar de 1964 afetou toda a sociedade brasileira. Todas as organizações populares, assim como a das mulheres, foram perseguidas. O trabalho, que já era difícil, com o golpe virou uma tragédia com a prisão de várias mulheres que lutavam contra a ditadura militar”. E um homem pode ser feminista? Para a alagoana, todos deveriam ser.
“O feminismo é um sentimento de valorização das mulheres. Meu marido, Carlos Marighella, era feminista. Quando nos tornamos companheiros, ele me compreendia e sempre estimulava a formação de organizações para mulheres. Marighella dividia as tarefas domésticas, mas não sabia passar roupa. Então, enquanto eu ficava com esse serviço, ele lia para mim em voz alta para ‘eu não perder tempo’. Ser feminista não é só declarar, é demonstrar, respeitar e dar o mesmo direito aos dois seres”. Em tempos de conservadorismo, muitos dizem que a mulher se rendeu à vulgarização.
Clara Charf discorda. “Se for analisar por esse lado, pode-se dizer que também houve com os homens. O sistema capitalista banaliza a mulher como produto, o que é errado. E para isso, usam o corpo nu, que não revela o valor de ninguém, mas também não o diminui. O mais importante é as mulheres tomarem consciência do que valem como ser humano e que podem ajudar a construir outro tipo de sociedade”. Quanto às bancadas religiosas influenciando a luta feminista, Clara Charf faz um contraponto. “Elas [bancadas] não contribuem, mas temos que respeitar. Têm mulheres que são religiosas e lutadoras. Agora, quanto mais essas organizações entrarem por esse viés, mais prejudicam a mulher e impedem que floresça o saber na sociedade em geral”.

Pois a mulher tem um muito potencial. Ainda mais se você analisar a população do Brasil. Há muita mulher que pode contribuir com sua inteligência e capacidade. Para uma sociedade mais igual, o certo é ter direitos iguais, em todos os sentidos. Mas, ainda vai demorar. A opressão contra a mulher surgiu desde o começo da humanidade e, em alguns países, a nossa luta é ainda mais difícil”, finalizou. Hoje, com 96 anos, Clara Charf está impossibilitada de dar entrevistas. Trechos deste texto são de uma conversa do jornalista José Fernando Martins com a alagoana durante a exposição 1000 Mulheres Pela Paz ao Redor do Mundo, que percorreu várias capitais brasileiras em 2012.
Marighella
Um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura militar brasileira (1964–1985), Carlos Marighella chegou a ser considerado o inimigo “número um” do regime. Foi cofundador da Ação Libertadora Nacional, organização de caráter revolucionário. Em novembro de 1969 foi assassinado por agentes militares em uma emboscada.
O filme Marighella, que está a partir deste sábado, 4, disponível na Globoplay, mostra, de um lado, uma violenta ditadura militar. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros 30 anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário virou um empecilho na ditadura. A obra foi dirigida por Wagner Moura e o personagem principal é interpretado por Seu Jorge.
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