EXCLUSÃO
Nordestinos, negros e mulheres são maioria na geração nem-nem
Especialistas destacam vulnerabilidade e falta de oportunidade para jovens dentro deste perfilA maioria dos jovens brasileiros entre 15 a 29 anos que não estudam e não trabalham é formada por mulheres nordestinas pretas ou pardas. Os dados de 2023 do IBGE revelam que mais de 3,7 milhões de jovens do Nordeste não estão no mercado de trabalho nem em instituições de ensino. A região tem a maior disparidade entre as demais quando os números consideram gênero, cor e raça.
A Agência Tatu analisou os dados educacionais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE e constatou que dos 3,7 milhões de jovens do Nordeste que não estudam e não trabalham, mais de 2,8 milhões são pretos ou pardos.
Essa parcela da população é conhecida como “Nem-nem”, no entanto o termo é considerado pejorativo, já que a expressão pode gerar a interpretação de que esses jovens não desejam trabalhar ou estudar. Enquanto, na verdade, o perfil dessa população mostra que algumas características sociais são mais predominantes em jovens sem possibilidade de avançar na sua educação e sem renda de trabalhos formais.
De maneira geral, o cenário mais delicado encontra-se no Nordeste. São 29 mil pessoas “Nem-nem” a cada 100 mil jovens de 15 a 29 anos da região. O Norte possui 26 mil a cada 100 mil habitantes, em seguida o Sudeste com 18 mil a cada 100 mil. O Centro-Oeste conta com 16 mil a cada 100 mil habitantes e o Sul com 13 mil a cada 100 mil.
A maior parte das pessoas que não estudam e nem trabalham é composta por mulheres, sendo 36 mil mulheres a cada 100 mil jovens de 15 a 29 anos no Nordeste. A região tem a maior quantidade proporcional de mulheres com esse perfil entre as regiões e gêneros. No Norte são 35 mil mulheres a cada 100 mil jovens e as regiões Sudeste e Centro-Oeste estão na sequência com 23 mil a cada 100 mil habitantes.
por último, está o Sul com 18 mil mulheres que não estudam e não trabalham a cada 100 mil de 15 a 29 anos.
Para a cientista política e professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas, Luciana Santana, esses dados sinalizam um risco alarmante de vulnerabilidade de jovens. “É mais preocupante que somente a taxa de desocupação, uma vez que esses jovens não estão nem ganhando experiência laboral, nem qualificação, o que pode comprometer suas possibilidades ocupacionais no futuro”, afirma a professora.
Quando o recorte se baseia na cor/raça, as pessoas pretas ou pardas “lideram” no Nordeste, sendo 28 mil a cada 100 mil habitantes pretos ou pardos da região. Em seguida, o Norte aparece com 26 mil pessoas a cada 100 mil habitantes pretas ou pardas, 18 mil a cada 100 habitantes neste recorte no Sudeste, 16 mil a cada 100 mil habitantes no Centro-Oeste e, por fim, o Sul que tem somente 13 mil habitantes pretos ou pardos categorizados como “Nem-nem” a cada 100 mil habitantes.
Mulher é maioria
Os dados também evidenciam a predominância das mulheres nordestinas entre os jovens que nem estudam, nem trabalham, já que dos mais de 3.7 milhões de jovens entre 15 e 29 anos com esse perfil, mais de 2,3 milhões são mulheres. Isso representa aproximadamente 62,16% dos nordestinos nessa condição, reforçando a desigualdade de gênero e oportunidade para as mulheres que, muitas vezes, precisam abandonar seus estudos e trabalhos para cuidar da casa e da família.
Carolina Maria de Jesus* tem 22 anos e nunca trabalhou formalmente. Aos 17 anos teve que abandonar o Ensino Médio para cuidar da mãe e, posteriormente, se casou. Desde então, não voltou mais à sala de aula. Saiu do município de Viçosa, em Alagoas, e foi morar com o marido em um povoado do município de Santana do Mundaú, a 100km de Maceió. Hoje, com um filho de 4 anos e outro de 6 meses, se dedica aos afazeres domésticos.
“Queria muito estudar mas não tem como, porque moro muito distante de escolas. Se tivesse pelo menos uma creche onde meus filhos pudessem ficar, seria bom para que eu pudesse concluir os estudos ou até trabalhar”, lamenta Carolina.
Desigualdade de gênero
Joyce Martins, professora de Ciência Política da Ufal, reforça a visão machista que a sociedade e o mercado de trabalho ainda têm da mulher. “Essa análise de que a maioria dos nordestinos que não estudam e não trabalham são mulheres, muito provavelmente está relacionado a essa visão de que o trabalho da mulher é o trabalho de cuidado e que na nossa sociedade nem como trabalho é visto. Como uma obrigação biológica, uma obrigação da natureza e cada vez que a mulher tenta sair daí ela é violentada”, detalha.
A cientista política, Luciana Santana, reforça que a relação da ocupação da mulher no mercado está mais voltada aos trabalhos de cuidado e há ainda muita desigualdade de gênero.
“Nesses espaços de trabalho de formação, a gente consegue observar que tem um aspecto de gênero muito forte. Não é à toa que já vem-se discutindo sobre a desigualdade de gênero no país, que é gritante. Ainda em pleno século 21 as mulheres são as maiores responsáveis pelo cuidado de uma forma geral. Às vezes não são nem registradas formalmente”, detalha a cientista política.
Estuda e trabalha
Os dados de pessoas, entre 15 e 29 anos, que estudam e trabalham é de 7,4 milhões de pessoas em todo o país, entretanto, o quantitativo é menor na região Nordeste, em que apenas 11 mil a cada 100 mil pessoas desta faixa etária estudam e trabalham. São 1,4 milhões de pessoas que se encontram simultaneamente ocupadas no ambiente formal de trabalho e no escolar.
As demais regiões apresentam quantitativos maiores. Na melhor condição, a região Sul, conta com 21 mil pessoas trabalhando e estudando a cada 100 mil habitantes da região. Seguido pelas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte, com 19 mil, 17 mil e 14 mil a cada 100 mil habitantes ocupados em ambas as áreas.
A jovem Mycaelly Jeniffer mora em Maceió e concilia os estudos do curso de Direito, com o trabalho como servidora pública. A maceioense mora com a mãe e a irmã e explica que trabalhar desde os 18 anos não foi uma escolha, mas uma necessidade, já que só a mãe era responsável por sustentar a família.
“Em 2021, estava concluindo o Ensino Médio e recebi uma proposta de emprego. Eu não queria porque minha vontade era só me dedicar ao Enem, mas no meio de pandemia a situação na minha casa começou a apertar e precisei trabalhar para ajudar em casa. Já cheguei a trabalhar o dia todo, revendo material de estudo só no fim de semana, mas consegui estágio remunerado e hoje consigo conciliar melhor”, detalha Mycaelle, que é bolsista pelo Prouni.
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