LIBERDADE RELIGIOSA

Testemunhas de Jeová: entenda como e por que recusam transfusão de sangue

Supremo Tribunal Federal formou maioria para que religiosos possam recusar tratamento
Por Ana Luíza Ambrózio/Estagiaria sob supervisão 28/09/2024 - 09:03

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Na última quarta-feira, 25, os ministros formaram a maioria dos votos a favor
Na última quarta-feira, 25, os ministros formaram a maioria dos votos a favor

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na última quarta-feira, 25, a respeito do julgamento de dois recursos que abordam a recusa de transfusões de sangue por pacientes Testemunhas de Jeová. O debate central girou em torno do direito constitucional à liberdade religiosa e ao acesso a tratamentos médicos alternativos. A maioria foi formada com o voto do ministro Nunes Marques.

O julgamento, porém, ainda continua. Faltam os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Na última quinta-feira, 19, votaram os ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça.

O que está em jogo?

Os ministros discutem se as Testemunhas de Jeová podem se recusar a receber transfusões em tratamentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e se o Estado deve custear tratamentos alternativos. Essa recusa é baseada nas crenças religiosas do grupo. A maioria dos ministros defendeu que é, sim, possível que pacientes se recusem a transfusões, desde que o SUS ofereça alternativas.

O caso ganhou notoriedade nacional por meio de dois processos que chegaram ao STF. O primeiro envolve uma paciente de Alagoas que buscou a Justiça para realizar uma cirurgia cardíaca sem transfusões, recusando-se a assinar o termo de consentimento para o uso de sangue. O segundo caso é de um paciente do Amazonas que garantiu o direito de realizar uma cirurgia ortopédica sem transfusões, com o custo coberto pelo poder público.

Em entrevista ao EXTRA, Kleber Barreto, porta-voz nacional das Testemunhas de Jeová, destacou a importância desse julgamento.

“As discussões jurídicas e médicas sobre as transfusões de sangue têm trazido resultados positivos para a comunidade das Testemunhas de Jeová, especialmente na busca por acesso a opções de tratamento que evitem transfusões, já previstas em normativos do sistema público de saúde. É fundamental garantir que qualquer cidadão possa escolher essas técnicas por razões de liberdade religiosa ou outros motivos válidos. Acreditamos que os elementos apresentados nos autos desse julgamento no STF fundamentam a importância de reconhecer o direito constitucional dos cidadãos brasileiros de exercer sua liberdade religiosa na escolha do tratamento médico.” disse.

Por que a transfusão não é permitida na religião 

A recusa de transfusões de sangue está, segundo as Testemunhas de Jeová, enraizada nas escrituras religiosas. Segundo Barreto, o grupo aceita todos os tratamentos médicos, exceto a transfusão de sangue, em obediência à orientação bíblica de Atos 15:28-29, que instrui os cristãos a "abster-se de sangue". Essa posição, baseada em crenças religiosas, é protegida pelo direito à liberdade de religião e consciência, garantido pela Constituição.

As Testemunhas de Jeová buscam tratamentos que estejam de acordo com seus princípios religiosos, o que implica na existência de diversas abordagens disponíveis para o tratamento de condições de saúde. Kleber Barreto afirma que existem várias opções médicas que não envolvem transfusões, e muitos profissionais de saúde já adotam essas alternativas em suas práticas.

Nesse contexto, surge a Comissão de Ligação com Hospitais (COLIH), composta por membros da comunidade das Testemunhas de Jeová, que atuam como intermediários entre os pacientes e os profissionais de saúde. A COLIH se dedica a auxiliar os pacientes na busca por alternativas ao uso de sangue, promovendo um diálogo aberto entre eles e seus médicos.

A orientação para famílias, especialmente aquelas com crianças, também é um aspecto relevante que entra em debate. De acordo com Barreto, os pais são aconselhados a colaborar com os profissionais de saúde para encontrar soluções seguras e eficazes que evitem o uso de sangue, garantindo o bem-estar de seus filhos.

“Os pais têm o direito de solicitar que os médicos considerem outras alternativas e, se necessário, consultem especialistas experientes, conforme prevê o Código de Ética Médica. Isso é importante, pois as transfusões também envolvem riscos, e os pais buscam opções mais seguras para seus filhos.” disse.

Vale lembrar que caso a recusa seja permitida ao final das votações do julgamento, algumas condições devem ser observadas:

- O paciente deve ser maior de idade, e a escolha precisa ser livre, informada e expressa.

- A decisão deve ser tomada antes do ato médico, podendo a pessoa deixar previamente estabelecida a sua opção.

- A escolha cabe exclusivamente ao paciente; não pode ser feita por outra pessoa. Isso se aplica também a filhos menores de idade cujos pais sigam a religião.

- Os pais só poderão optar por tratamento alternativo para os filhos se este for considerado eficaz, de acordo com a avaliação médica.

Após o término das votações, os ministros ainda precisarão definir questões como os custos de locomoção, estadia e alimentação de pacientes que precisarem viajar para outras cidades ou estados em busca de tratamento alternativo na rede pública de saúde.


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