Comportamento

Jovens caem em armadilha das apostas online e enfrentam crise silenciosa

Vício em “bets” compromete saúde mental, laços familiares e futuro profissional de uma geração
Por Redação com assessoria 14/05/2025 - 08:57
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Reprodução
Jogo do Tigrinho causa polêmica no Brasil
Jogo do Tigrinho causa polêmica no Brasil

Uma epidemia silenciosa avança pelo Brasil, com impactos devastadores entre crianças, adolescentes e jovens adultos: o vício em apostas online. Impulsionadas por celebridades, influenciadores digitais e campanhas publicitárias que vendem a ideia de enriquecimento rápido, as chamadas “bets” e outras plataformas de jogos, como o popular “Tigrinho”, vêm ganhando espaço entre os mais jovens, sobretudo em comunidades de baixa renda.

Dados de uma pesquisa do Unicef mostram que 22% dos adolescentes entrevistados fizeram sua primeira aposta até os 11 anos. A facilidade de acesso, aliada à falta de fiscalização, tem permitido que menores de idade burlem sistemas usando CPFs falsos, o que os insere precocemente em um ciclo de compulsão e risco.

O cérebro em colapso

Especialistas alertam que o modelo das apostas online atua diretamente sobre o sistema de recompensa do cérebro, estimulando a liberação de dopamina — o mesmo neurotransmissor relacionado ao consumo de drogas e álcool. O resultado é o surgimento de um vício silencioso, que traz sintomas como ansiedade, insônia, irritabilidade e queda no rendimento escolar, além de possíveis envolvimentos com dívidas e atividades ilegais.

“A pessoa sempre acha que pode parar, mesmo quando já está trocando atividades essenciais por um comportamento doentio”, explica Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin).

A ilusão do lucro fácil

Para muitos jovens, o jogo não é apenas entretenimento, mas uma falsa promessa de ascensão social. Segundo o Instituto Locomotiva, 53% das pessoas que apostam o fazem com o objetivo de ganhar dinheiro. No entanto, a maioria termina no prejuízo.

“O apelo das apostas é especialmente nocivo para quem vive em vulnerabilidade econômica. Isso alimenta uma ilusão de que existe um caminho rápido para sair da pobreza — e esse caminho simplesmente não existe”, destaca Domingos.

As consequências extrapolam a vida do apostador. Famílias inteiras têm sido arrastadas para crises financeiras e emocionais. Há relatos de casamentos desfeitos, dívidas coletivas e perdas patrimoniais que ultrapassam os R$ 200 mil. No ambiente escolar, professores relatam alunos que dormem em sala após madrugadas jogando ou que abandonam os estudos ao se verem imersos no mundo das apostas.

Educação financeira como saída

Diante do cenário, especialistas apontam a necessidade urgente de inserir a educação do comportamento financeiro desde os primeiros anos escolares. O objetivo não é apenas ensinar a lidar com números, mas desenvolver consciência emocional sobre o uso do dinheiro.

“Não basta falar de juros compostos. É preciso trabalhar a relação dos jovens com o consumo, seus impulsos, desejos e valores. Isso muda a forma como tomam decisões”, afirma Domingos. A proposta é que as escolas ajudem a formar cidadãos capazes de planejar com propósito, resistindo à pressão do consumo instantâneo.

Regulação ainda é insuficiente

O governo federal começou a reagir, com o bloqueio de sites ilegais e de métodos de pagamento utilizados para apostas. Mas, para especialistas, essas ações são paliativas se não vierem acompanhadas de políticas públicas estruturadas, como suporte psicológico e inclusão da educação financeira no currículo escolar.

“Esse problema não será resolvido apenas com fiscalização. A única resposta efetiva está na formação de cidadãos financeiramente conscientes — e isso depende do envolvimento da sociedade e do sistema educacional”, conclui Domingos.

Enquanto a promessa do lucro fácil continua a seduzir, a realidade é de perdas, frustrações e vidas interrompidas antes mesmo de começarem. A única aposta segura que o Brasil pode fazer é na educação — e ela precisa começar já.

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