Especialistas discordam sobre idade adequada para alfabetização das crianças em debate sobre novo PNE

Especialistas ouvidos pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2024-2034 (PL 2614/24) discordaram sobre a idade adequada para a alfabetização de crianças, sobre os critérios para um aluno ser considerado alfabetizado e até sobre a eficiência de um plano. A comissão discutiu, nesta quarta-feira (14), o Objetivo 3 do PNE - assegurar a alfabetização ao final do 2º segundo ano do ensino fundamental para todas as crianças.
A meta é que até 2030, 80% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas e, até o final do plano, 100%. A Meta 5 do Plano Nacional de Educação anterior (2014-2024, estendido até 2025) previa a alfabetização de todas as crianças até o final do 3º ano do ensino fundamental.
Diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação, Aleksandro Santos, acredita que o Brasil quer que as crianças sejam alfabetizadas o quanto antes. Ele considera importante, porém, delimitar a expectativa de aprendizagem ao final de cada ano escolar para organizar as práticas pedagógicas da escola.
Ele informou que o MEC lançou em 2023 o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, nova política de alfabetização, que institui a colaboração entre União, estados e municípios com esse fim. “A educação infantil e os anos iniciais são tarefas do município, mas 3 mil municípios brasileiros são muito pequenos e muito pobres”, apontou. Conforme o diretor, o novo PNE tem esse pressuposto e também foca na equidade - ou seja, na redução das desigualdades.
Definição de alfabetização
O diretor do MEC disse que o Brasil pela primeira vez tem uma definição explícita de criança alfabetizada, com três elementos: “Ela é capaz de ler palavras, frases e textos curtos, ela é capaz de localizar uma informação explícita num texto curto, ela é capaz de fazer inferências de leitura, juntando a linguagem verbal e a não verbal num determinado texto”, resumiu.
Aleksandro Santos observa, porém, que a alfabetização segue ao longo da vida, com a aquisição de novas habilidades para a compreensão de textos, mas que o Brasil consegue medir hoje, ao final do 2º ano, se uma criança está alfabetizada. Segundo ele, o MEC desenvolveu uma avaliação censitária - o indicador Criança Alfabetizada -, já que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb - Alfabetização) tem uma limitação: ele é amostral, e não censitário, impedindo o monitoramento de municípios específicos ou escolas.
Alfabetização no 1º ano
Fundador do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira forneceu outra definição de alfabetização: “Uma criança alfabetizada lê palavras e pseudopalavras, por exemplo, vuvuzela - uma palavra que não existiria, lê sem silabar, sem gaguejar e ler no tempo previsto, que é, pelo menos, na língua portuguesa, 80 palavras por minuto. Se ela não lê nesse tempo, com esses critérios, ela não foi alfabetizada e ponto final”, disse. Na visão dele, não são necessários testes de compreensão de texto para saber que uma criança foi alfabetizada, já que ler e compreender são atributos diferentes - compreender é uma tarefa para a vida inteira.
“Quanto mais tarde a criança ler, mais difícil será recuperar o atraso”, observou. “No segundo ano do ensino fundamental, o aluno que chega no primeiro dia e não lê o que o professor escrever no quadro, o dever de casa, é um analfabeto funcional, quer dizer, o analfabetismo funcional começa dentro da escola quando a escola renuncia sua obrigação de alfabetizar quando deve”, completou.
Para ele, o que funciona na alfabetização: “Adotar um currículo baseado na ciência cognitiva da leitura, usar materiais estruturados, testados, eficazes, avaliar corretamente, quando? No final do primeiro ano”. Na opinião dele, basta uma amostra, não é necessária uma avaliação cara, para todos os alunos. “Se é para fazer plano, que seja: toda criança deve ser alfabetizada até o final do 1º ano. Isso é simples, possível, factível e inadiável”, concluiu.
Ineficácia de planos
João Batista Oliveira acredita que os planos de educação são ineficazes, não só no Brasil como em outros países. “Por que o Brasil não alfabetiza suas crianças? A resposta é simples e cruel: porque não quer”, disse, enfatizando que se trata de uma questão de prioridade política. “Nenhuma escola poderia funcionar se não conseguir alfabetizar seus alunos no primeiro ano. Se ela não fizer isso, ela tem que ser fechada, tem que haver uma intervenção”, opinou. “Nenhuma prefeitura poderia receber recursos do Fundeb se ela falha nesse ponto”, acrescentou.
Ex-Secretário da Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalin concorda que a meta deve ser alfabetizar as crianças até o fim do 1º ano e, para isso, devem ser preparadas antes, na educação infantil, com atividades de consciência fonológica, entre outras atividades. Segundo ele, o desempenho e a fluência em leitura das crianças deve ser avaliado do 1º ao 9º ano do ensino fundamental.
Antecipação da alfabetização
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, articulada por 18 entidades, Daniel Cara citou dados consolidados da Avaliação Nacional de Alfabetização (Ana) demonstrando que a situação da alfabetização das crianças até o 3º ano está estagnada.
Para Daniel Cara, o debate adequado não é se a alfabetização deve se dar até o 2º ou 3º ano, mas a pergunta fundamental é qual o critério para uma criança ser considerada alfabetizada. O debate, na visão dele, deve ser sobre a consistência da alfabetização e deve-se procurar superar as desigualdades dos resultados da alfabetização existentes, por exemplo, entre crianças de diferentes níveis socioeconômico ou raça.
“O Brasil tem tomado uma decisão em algumas redes públicas de acelerar a alfabetização para o segundo ano, e isso não tem resultado depois numa consistência no desenvolvimento dos indicadores de aprendizados nos anos finais do ensino fundamental - ou seja, você acelera a alfabetização e isso não significa aprendizado”, apontou.
Alfabetização até 3º ano
Professora de Pedagogia da Universidade de São Paulo, Bianca Cristina Corrêa acredita que os professores têm sido colocados à mercê de políticas equivocadas. Na visão dela, um erro é justamente antecipar a alfabetização para a etapa da educação infantil, quando a brincadeira deveria ser a atividade principal das crianças nessa etapa da vida.
“Exigir agora que as crianças aos 6 anos passem a ser stricto sensu alfabetizadas é uma exigência um pouco severa demais, e em um ano, dois anos, ao final do 2º ano exigir que estejam plenamente alfabetizadas, de modo consolidado, é exigir um pouco demais, principalmente se a gente considerar as desigualdades que a gente tem no nosso País”, opinou. Para ela, essa exigência deve ocorrer só ao final do 3º ano.
Bianca Corrêa acredita que o que considera excesso de avaliações existentes leva as crianças e aos professores a um nível alto de estresse e chama a atenção, para a falta de condições adequadas, por exemplo, para a dificuldade de se fazer alfabetização com turmas superlotadas.