POLÊMICA
Entidades pedem arquivamento de projeto que quer desregulamentar 35 profissões
Proposta do ex-deputado Tiago Mitraud aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados
Desde que entrou em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 3.081/22, de autoria do agora ex-deputado federal Tiago Mitraud (Novo), que revoga e altera Leis, Decretos-Leis e um Decreto, a fim de desregulamentar diversas profissões no país como de engenheiro, arquiteto, assistente social, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e jornalista, dentre outras, a proposta tem causado polêmica. Para representantes das entidades envolvidas, desregulamentar profissões é um retrocesso, uma barbárie contra a sociedade e por isso pedem arquivamento.
O projeto aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados para entrar na ordem do dia, mas enquete realizada pelo site forms.camara.leg.br que pergunta “Qual sua opinião sobre o PL 3081/2022”, mostra o resultado parcial até o último dia 7, em que apenas 2% (2.266) dos votos concordam totalmente com a proposta. Quem discorda na maior parte é de 1% (1.436) votos. As opções de concorda na maior parte ficou com 455 votos e estou indeciso obteve apenas 75 votos. Já o discordo totalmente atingiu 97%, num total de 123.301 votos.
Se depender dos representantes das 35 profissões atingidas pela proposta do ex-deputado, o projeto não sairá do papel. Para o presidente do Corecon/AL (Conselho Regional de Economia de Alagoas) Marcos Antônio Moreira Calheiros, é insensato achar que são atividades que não oferecem risco à população. “A proposta não tem sentido e não passará na Câmara, que terá sensibilidade que a evolução da sociedade é grande e exige profissionais qualificados. Somos contrários, pois para exercer a função o cidadão tem que trilhar vários caminhos, além do diploma”, afirmou.
A presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL), Rosa Tenório, disse que não há como garantir segurança sem a exigência de diploma e regulamentação para se projetar e construir edifícios, barragens, túneis, pontes, rodovias, entre outras atividades de responsabilidade do engenheiro. Segundo ela, a impressão é que o ex-deputado quis chamar atenção, mas não deu palanque. E argumenta que é uma proposta descabível, sem nexo e acredita que o processo será arquivado. “Nossa manifestação é totalmente contrária à tramitação do projeto, já que gera grave vulnerabilidade social”, criticou a presidente do Crea.
Fernando Cavalcanti, presidente do Cau/AL (Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Alagoas) argumentou que o PL apresentado possui vício de origem, pois não insere a lei que regulamenta a profissão do arquiteto e urbanista, atualizada pela Lei 12378/2010 e apresenta um desconhecimento da atuação destas profissões, inclusive no caso da arquitetura e urbanismo quando se trata de autoconstrução para a população de baixa renda. “Nestes casos, há um olhar diferente por parte desta lei. No entanto, na grande maioria dos casos, existe a necessidade de um profissional habilitado. Caso aprovado, este PL coloca toda a sociedade em risco pois acaba com os órgãos fiscalizadores das profissões que fazem parte da esfera federal e não garantem a qualidade do serviço prestado”, criticou Cavalcanti.
Para a fonoaudióloga Bela Macêdo, a fonoaudiologia é uma ciência e portanto precisa de muito estudo e base teórica. A regulamentação de uma profissão, não só a fonoaudiologia, diz ela, determina a competência do profissional também por meio dos conselhos federal e regionais que fiscalizam e orientam o exercício profissional, os deveres, direitos e responsabilidades.
“Como desregulamentar poderia ser algo bom? Precisamos ter muita responsabilidade para com nosso trabalho, pois lidamos com todos os ciclos, desde bebê até a terceira idade. E atuamos em diversos setores e trabalhamos com tudo o que está relacionado à comunicação humana, seja pelos cuidados com a audição, a fala ou a escrita, além de contribuir para a cognição”, afirmou. E acrescentou: “Isso é muito preocupante. Quem vai fiscalizar essas pessoas? Como saber a qualidade do trabalho que está sendo oferecido? Como saber se aquela pessoa realmente sabe o que está fazendo?”, questionou.

A fisioterapeuta Andressa Thayane da Silva acredita que sem uma comprovação da capacidade de um profissional a fisioterapia, como qualquer área de atuação profissional, não tem validade. Segundo ela, a fisioterapia não é menos importante que outras profissões, e com toda certeza tem sim risco à vida. “Digo por experiência que nenhuma empresa hoje não contrata sem cursos adicionais, quem dirá sem diploma. A taxa de desemprego já é alta e sem diploma aumentará ainda mais. Não vejo uma profissão com validade sem comprovação de capacitação profissional, se tornaria uma bagunça qualquer pessoa dizer que é formado em uma área e não comprovar a sua competência e capacidade”, disse.
A assistente social Mirian Soares, especialista em Políticas Sociais Integradas, afirma que não é possível exercer a profissão sem diploma e o próprio código de ética da profissão vem trazer esta informação. De acordo com ela, além do diploma, o código fala sobre precisar ter registro no conselho devidamente regular para poder exercer a profissão. “Sem um diploma, sem uma formação, o profissional não tem conhecimento acerca dos instrumentos profissionais ou aporte teórico para enfrentar as questões vivenciadas no decorrer do exercício da profissão”, disse ao esperar que a proposta não vingue.
Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Izaías Barbosa, toda profissão tem o seu valor e tem que ter formação, o embasamento que se tem na universidade e se aperfeiçoa no dia a dia. “Espero que o Congresso veja a necessidade que se tem de dar essa responsabilidade a cada uma dessas profissões a pessoas que têm formação, que foram treinadas, que receberam a formação acadêmica para desempenhar a função”, argumentou, ao questionar a fala do ex-deputado de que não traz nenhum risco de segurança e saúde a ordem pública. “Traz muito. Uma informação repassada errada, de forma irresponsável, pode causar grande dano à sociedade. É de suma importância que esse projeto seja recusado”, concluiu.
Vale ressaltar que Tiago Mitraud não disputou a reeleição em 2022 e também não conseguiu êxito na chapa em que concorreu a vice-presidente da República ao lado do cientista político Felipe D'Avila (Novo).
Abaixo-assinado
Nas redes sociais, entidades e profissionais das áreas afetadas pelo projeto de lei pedem que a medida seja retirada da pauta. Usuários criaram petição online contra a proposta (peticaopublica.com.br) e mais de 33 mil pessoas já assinaram o abaixo-assinado. Você também pode assinar.
Outros também criaram abaixo-assinado que até a noite de quarta, 8, já contava com mais de 60 mil assinaturas. Para aderir, basta entrar no endereço change.org e dar sua contribuição. Lá, tem a opção de expressar, ainda, quais os motivos de assinar.
Confira a lista das profissões atingidas e as leis que as regulamentam hoje
Arquiteto (Decreto-Lei 8620/46)
Arquivista (Lei 6546/78)
Assistente Social (Lei 8662/93)
Atuário (Decreto-Lei 806/69)
Bibliotecário (Lei 4084/62)
Corretor de seguros (Lei 4594/64)
Economista (Lei 1411/51)
Educação Física (Lei 9696/98)
Engenheiro (Decreto-Lei 8620/46)
Engenheiro de Segurança do Trabalho (Lei 7410/85)
Estatístico (Lei 4739/65)
Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional (Decreto-Lei 938/69)
Fonoaudiólogo (Lei 6965/81)
Geógrafo (Lei 6664/79)
Geólogo (Lei 4076/61)
Guia de Turismo (Lei 8623/93)
Jornalista (Decreto-Lei 972/69)
Leiloeiro (Decreto 21.981/32)
Massagista (Lei 3968/61)
Médico Veterinário (Lei 5517/68)
Meteorologista (Lei 6835/80)
Museólogo (Lei 7287/84)
Músico (Lei 3857/60)
Nutricionista (Lei 8234/91)
Psicólogo (Lei 4119/62)
Publicitário (Lei 4680/65)
Químico (Lei 2800/56)
Radialista (Lei 6615/78)
Relações Públicas (Lei 5377/67)
Secretário (Lei 7377/85)
Sociólogo (Lei 6888/80)
Técnico de Administração (Lei 4769/65)
Técnico em Prótese Dentária (Lei 6710/79)
Técnico em Radiologia (Lei 7394/85)
Treinador de Futebol (Lei 8650/93)
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