Conteúdo do impresso Edição 1293

DITADURA NUNCA MAIS!

Torturado, queimado e esquartejado: o desaparecimento de Jayme Miranda

Detalhes foram revelados quase 50 anos depois do crime cometido por agentes da repressão
Por BRUNO FERNANDES 23/11/2024 - 06:00
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REPRODUÇÃO
Elza Miranda
Elza Miranda

A história de Elza Miranda, esposa do jornalista alagoano Jayme Amorim de Miranda, encontra semelhanças na trama do filme “Ainda Estou Aqui”, do diretor Walter Salles, que retrata a luta de Eunice Paiva pelo desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, durante a ditadura militar. No filme, Eunice vive o tormento de não saber o que aconteceu com Rubens, sequestrado e morto pelos agentes do regime. De maneira similar, Elza também enfrenta – 50 anos depois – o vazio e a angústia de não saber o destino de Jayme, que desapareceu em 1975.

Em 1975, Jayme foi capturado enquanto entregava alguns documentos, no Rio de Janeiro. A partir desse dia, Elza nunca mais teve notícias sobre ele. Durante anos, lutou para entender o que realmente aconteceu com seu marido, sem jamais obter respostas claras. O reconhecimento oficial de sua morte foi feito apenas nos anos 1990.

Os detalhes sobre a morte de Jayme Miranda foram revelados no livro “Cachorros”, de Marcelo Godoy, jornalista da Folha de S. Paulo. Godoy, em entrevista com ex-agentes do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), alguns em condição de anonimato, narra o que, segundo esses relatos, teria ocorrido com Jayme após sua captura.

Após ser detido durante a entrega de documentos, Jayme foi levado para uma boate abandonada na cidade de Avaré, em São Paulo, onde foi preso e permaneceu em cativeiro por 20 dias. Durante esse período, foi brutalmente torturado: colocaram-lhe álcool e atearam fogo em seu corpo, além de aplicar uma injeção letal usada para matar cavalos. Após sua morte, seu corpo foi esquartejado e lançado em um rio, onde nunca foi encontrado.

Jayme foi uma figura central na luta contra a ditadura militar. Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o alagoano sempre esteve à frente de movimentos sociais e foi uma voz ativa na defesa da legalidade constitucional, o que levou à sua prisão logo após o golpe de 1964. Elza, mãe de quatro filhos, compartilhou com Eunice o fardo do desaparecimento de seus maridos e a difícil tarefa de criar os filhos sem qualquer explicação do que ocorreu. Enquanto Eunice, no filme, refaz sua vida e vai à busca da verdade sobre Rubens, Elza, com a mesma determinação, também seguiu em frente com sua dor.

O bancário Thyago Miranda, neto de Elza e de Jayme, contou ao EXTRA a semelhança entre a história de sua avó e o filme de Walter Salles. Ele destacou que a dor e o impacto do desaparecimento de um ente querido durante a ditadura não podem ser subestimados, pois o regime militar não apenas matou, mas também arrancou da vida das pessoas a possibilidade de um luto adequado, privando-as da verdade e da justiça.

“E ali, de fato, é uma história muito similar à história da minha avó, a Elza Miranda. O filme, nesse sentido, é muito próximo à história dela, pois ela também teve quatro filhos, o Rubens teve cinco. Mas eu acho que é importante para destacar à nossa sociedade esse período, pois algumas pessoas dizem que não houve ditadura militar. Mostrar que houve e quão grave foi para várias famílias”.

Ainda segundo Thyago, filhos e netos evitam falar sobre novos detalhes para a avó, principalmente sobre como a morte do marido teria acontecido.

“A gente evita um pouco comentar sobre isso com minha vó; esses detalhes revelados no livro, por exemplo, são muito cruéis”.

Em fevereiro de 2025, completam-se 50 anos do desaparecimento de Jayme Miranda.


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