DIREITOS HUMANOS
Comissão internacional vai investigar denúncia da ex-esposa de Lira
Jullyene Lins busca justiça contra o presidente da Câmara alegando abusos e manipulação judicial no BrasilApós enfrentar censura de reportagens que traziam suas denúncias contra o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, ver sua honra questionada e lidar com declarações de seus próprios filhos que a desacreditavam, Jullyene Lins, ex-esposa de Lira, encerra 2024 com uma boa notícia. Cansada da morosidade da justiça brasileira e da falta de imparcialidade do Judiciário alagoano, influenciado supostamente pelo poderio do ex-marido, Jullyene decidiu levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O dossiê intitulado “Jullyene Cristine Santos Lins vs. República Federativa do Brasil” reúne denúncias que envolvem agressões sexuais e outras acusações polêmicas que impactam a política nacional, todas, conforme a documentação, praticadas pelo deputado federal. Com a medida, a ex-esposa de Lira encontra uma fagulha de esperança em sua busca por justiça.
A boa notícia para Jullyene Lins chegou em forma de um e-mail sucinto, porém claro e direto. Após enviar sua denúncia à CIDH, o órgão internacional protocolou a documentação recebida, confirmando o recebimento da petição. Esse passo inicial pode resultar em uma investigação mais aprofundada sobre Arthur Lira e também sobre a justiça brasileira. Esse retorno é importante, pois a CIDH costuma descartar denúncias sem credibilidade logo de início, sem fazer alarde. A comissão é composta por juristas de diferentes nacionalidades do continente americano, com o objetivo de promover, observar e defender os Direitos Humanos.
Jullyene vive uma batalha judicial que se arrasta há quase 20 anos, marcada por sérias acusações contra Arthur Lira. A disputa, que inicialmente envolvia a partilha de bens após o fim da união estável, tomou contornos de um embate jurídico repleto de alegações de abuso de poder, violência física, sexual, patrimonial, psicológica e moral. Desde o término da união, o processo de separação patrimonial se transformou em uma longa e complexa disputa, com alegações de sentenças questionáveis, acordos fraudulentos e tentativas de suborno. Jullyene Lins denuncia a procrastinação de decisões no Poder Judiciário de Alagoas, afirmando que as tentativas de resolver o caso foram sistematicamente barradas por manobras legais que beneficiariam Arthur Lira.
Segundo Jullyene, o presidente da Câmara utilizou seu poder político como ferramenta de retaliação e influenciou o andamento do processo. Ela afirma que o deputado colocou a esposa de seu advogado em seu gabinete e manipulou instituições para promover seus advogados a cargos relevantes, evidenciando, assim, sua ingerência nas esferas judiciais e políticas. Além disso, Jullyene denuncia que seus filhos, Arthur Filho e Álvaro Lira, participaram ativamente da expulsão dela de sua própria casa, um imóvel ainda em litígio e sem documentação legal que justificasse tal ato. A liminar que permitiu a expulsão foi concedida rapidamente ao parlamentar, enquanto os recursos apresentados pelos advogados de Jullyene demoraram anos para serem apreciados.
A ex-esposa do parlamentar também relatou ter sido vítima de diversos tipos de violência, incluindo agressões físicas, abuso sexual e violência psicológica e patrimonial. Jullyene afirma que essas experiências causaram danos irreparáveis à sua saúde mental e emocional, especialmente devido à falta de independência financeira e ao constante temor de represálias. Ela também aponta que Arthur Lira estaria influenciando a vida dos filhos de maneira a inseri-los em sua agenda política e empresarial, criando um ambiente que levanta sérias dúvidas sobre a ética e a legalidade de suas ações.
Jullyene viveu com Arthur Lira por quase uma década, período que se inicia em 24 de abril de 1997, quando passaram a dividir o mesmo teto em dezembro de 1998, e vai até meados de maio de 2006. Dessa relação, nasceram os filhos biológicos do casal, Arthur César e Álvaro. Como parte de sua denúncia, Jullyene Lins ainda aponta a atuação de aliados de Arthur Lira, que, segundo ela, agiram contra seus interesses em diversos momentos da disputa judicial. Fábio Ferrário, que atuou em favor do congressista na ação de dissolução de união estável e partilha de bens, é descrito por Jullyene como responsável por uma “plena chicana jurídica”.
Após sua atuação nesse caso, Ferrário foi nomeado desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, reforçando as alegações de influência e manipulação. Luiz de Albuquerque Medeiros Neto, que foi nomeado procurador-geral da Assembleia Legislativa de Alagoas, também é citado como parte dessa rede de aliados que, segundo Jullyene, atuaram para dificultar a resolução do caso. Além disso, Cleto Carneiro de Araújo Costa, advogado de Jullyene, é acusado de ter se comportado de forma duvidosa, ao não fazer contato nem atender às ligações dela no dia da segunda oitiva sobre as violências sofridas em 2006. Para agravar a situação, a esposa de Cleto, Genianna Albuquerque Magalhães Carneiro Costa, foi empregada no gabinete de Arthur Lira.
Representada agora pela advogada Talitha Camargo da Fonseca, Jullyene Lins estaria enfrentando uma longa jornada de violência e negligência por parte do Estado. Em sua análise sobre o caso, a advogada destacou que, ao chegar ao processo, encontrou 17 anos de violência, com todas as instâncias judiciais, desde a primeira até as superiores, já superadas. “O que observamos nesses 17 anos, ao analisar os processos e inquéritos policiais, foi uma desídia do Estado brasileiro em investigar e punir”, afirmou Talitha, que criticou a falta de ação das autoridades.
Ela ressaltou que, antes da separação, já havia registros de violência doméstica, e que, após o fim do relacionamento, novos abusos ocorreram. “O caso é paradigmático porque, quando ocorreu a violência física contra ela, já havia quatro meses de vigência da Lei Maria da Penha, mas o Supremo Tribunal Federal não aceitou a denúncia”, explicou a advogada. Talitha também abordou os desdobramentos que seguiram após 2013, com uma série de processos, incluindo tentativas de silenciar Jullyene. Ela revelou ainda que, recentemente, o deputado Arthur Lira tentou barrar uma matéria sobre o caso, levantando o questionamento: “Por que ele tenta barrar a mídia e silenciar essa mulher?”.