ENTREVISTA / ELIAS FRAGOSO

EXTRA - As pessoas ficam confusas quando se fala em revolução industrial. O Sr. poderia mostrar diferenças e profundidade das modificações que elas provocaram?
Prof. Elias Fragoso – A 1ª revolução industrial está associada ao surgimento da máquina e provocou enorme mudança ao substituir o trabalho artesanal pela manufatura industrial e gerar a primeira grande migração do campo para as cidades; a 2ª revolução, a da energia, trouxe em seu bojo a economia do petróleo, o automóvel, o avião, o telefone, dentre outros. A 3ª revolução, a da informática, viu a internet surgir e se consolidar, o computador, o celular, os aplicativos, a microeletrônica, chips, circuitos eletrônicos e uma gama de inovações digitais. Ela viabilizou a globalização, forte salto na produtividade global e a posição dos países dominantes da nova Era.
Já a 4ª revolução industrial (que avança célere nos países desenvolvidos) dá um salto quântico em escala e complexidade. Muda radicalmente o mundo tal qual o conhecemos. Drones, robôs inteligentes, fábricas autogeridas, carros inteligentes, health tech, são a ponta do iceberg de – literalmente – uma infinita gama de novas possibilidades tecnológicas, boa parte delas sequer cogitadas no momento. A 3ª revolução industrial criou as bases sistêmicas e preparou o terreno para a 4ª revolução industrial. A que começa a provocar a mais profunda e transformadora mudança que o mundo jamais vivenciou. Uma verdadeira revolução.
EXTRA- E qual a posição do Brasil nesse contexto?
Prof. Elias Fragoso – O país perdeu o bonde da história na 1ª, na 2ª e na 3ª revolução industrial. Ficamos para trás com nossa política calcada em exportações primárias e em modelo de substituição de importações que nunca se consolidou. Resultado: no momento o Brasil está no “meio” da 3ª revolução industrial, muito distante dos países centrais que avançam céleres na 4ª revolução. Estamos perdendo de novo o bonde da história.
EXTRA- E o que isso significa?
Prof. Elias Fragoso – Atraso, baixa competitividade no mercado global, irrelevância tecnológica mundial apesar de termos o 10º parque industrial do mundo, baixa sintonia tecnológica com a matriz mundial, subdesenvolvimento.
EXTRA- O que fazer?
Prof. Elias Fragoso – Olha, se existe uma área neste país que precisa começar do zero é a da inovação tecnológica. É preciso romper com o modelo atual dominado por uma burocracia que impede qualquer avanço real, pelos lobbies empresariais que sempre se beneficiaram de “incentivos” para nada criar de efetivamente novo, pela academia e sua visão retrógada e fechada que quase nada produz de relevante e ainda obstaculariza a entrada do capital privado (diferente de qualquer país desenvolvido) para atuação em parceria.
Na real, o pouco que é produzido aqui são tecnologias mais maduras (portanto, desenvolvidas anteriormente por terceiros) e somos péssimos em desenvolver conhecimento de fronteira (o ridículo número de patentes requeridas – comparativamente aos países desenvolvidos - prova isso). Resultado: estudo da CNI de 2017 aponta que de 24 setores industriais pesquisados, somos competitivos globalmente em apenas 4.
EXTRA - E Alagoas?
Prof. Elias Fragoso - Bem, Alagoas é – como sempre – um caso à parte. Não há produção consistente de inovação por aqui. Nossa academia é uma das mais frágeis do ponto de vista de pesquisa básica e aplicada (apesar do grande número de doutores e mestres), nossa indústria situada quase toda ela ainda nas franjas da 2ª revolução industrial está muito distante do razoável em termos de performance e contemporaneidade. Basta que se diga que cerca de 40% das nossas unidades fabris locais estão classificadas como panificadoras e fábricas de farinha...
A atrasada agroindústria açucareira está em crise (embora uma unidade esteja implantando empreendimento de biotecnologia para geração de energia a partir do bagaço da cana), enquanto que a eterna promessa de redenção do estado a partir do polo cloro químico, continua assim: promessa.
EXTRA- E por que o Brasil e Alagoas, por consequência, ficam sempre para trás quando se trata de acompanhar o desenvolvimento tecnológico global?
Prof. Elias Fragoso – Do ponto de vista do estado como um todo, suas forças vivas precisam compreender que inovação é seguro contra a irrelevância e, certamente, uma das melhores estratégias para alavancar uma economia obsoleta e de pouca representatividade econômica como a nossa.
Já nacionalmente, este país perdeu o rumo de sua política industrial desde os anos finais dos governos militares. Nesse período, o mundo foi centrando sua agenda de inovação em 3 áreas: tecnologia da informação, biotecnologia e eletrônica. A desestruturação do setor e a perda do foco da disputa tecnológica global que acontecia, nos levou aonde estamos: à 64ª posição do ranking mundial, segundo o índice global de inovação.
EXTRA- Então, quem são os culpados?
Prof. Elias Fragoso – Todos são culpados. Governos por inação, incompetência política e falta de visão estratégica para inserção global. A academia, tão ciosa de suas prerrogativas, por insistir em formar doutores-filósofos e “esquecer” de formar técnicos e associar-se à iniciativa privada para realizar pesquisas que interessem ao mercado. As empresas, por sua enviesada dependência de benesses estatais para inovação, como se os beneficiados finais não fossem elas próprias. Enfim, na roda viva do dedo em riste, não falta pra ninguém. Somos dependentes tecnológicos por nossa exclusiva culpa.
EXTRA- Há saídas? E Alagoas como ficaria nesse caso?
Prof. Elias Fragoso - Claro que há saídas. Sempre há. Mas é preciso sair da caixa. A inovação, como disse, permite a um estado como Alagoas dar enorme salto em produtividade, melhorar a qualidade da mão de obra, aumentar o valor agregado da produção, gerar maiores rendas e impostos, um ciclo virtuoso.
EXTRA- Mas e os nossos problemas de infraestrutura, de qualidade da mão de obra, de falta de investidores dispostos a apostar em inovação num estado considerado um dos mais atrasados do país?
Prof. Elias Fragoso - Fica claro que o exemplo a seguir guarda enorme distância entre as duas realidades, mas, do ponto de vista da estratégia de implantação, serve perfeitamente. O Vale do Silício, que há trinta anos não passava de uma área rural dos EUA, sem infraestrutura, mão de obra local especializada, distante dos maiores centros econômicos e produtivos do país, nenhuma empresa relevante e com quase tudo por fazer em termos de organização de um cluster tecnológico, hoje é o centro da inovação tecnológica mundial.
EXTRA- E o que faz do Vale um sucesso?
Prof. Elias Fragoso - Rebeldia, conhecimento e capital financeiro. Afinal, sem inconformismo e vontade de mudar o mundo, unido a um bom know-how e investimentos, dificilmente há inovações. Por lá, isso existe em abundância, enquanto por aqui isso está represado. Existe muita gente boa fora da academia pensando e fazendo coisas muito interessantes, é preciso dar chance a essa garotada de mostrar seus talentos.
EXTRA- Daria certo?
Prof. Elias Fragoso – Uma coisa é certa: inovação pode nos ajudar a dar o salto qualitativo que tanto ambicionamos em prazo relativamente curto (estamos pensando em termos de 30 anos) comparativamente aos séculos de atraso que já vivenciamos. Agora, isso só ocorrerá se houver uma efetiva união das forças vivas do estado para mudar o status quo atual do nosso padrão tecnológico. Se se pensar num cluster local com uma representatividade equivalente a 0,5% do Vale, quando estiver maduro – portanto, perfeitamente compatível com nossa realidade e tamanho - a renda gerada por ele poderá equivaler a um mês do orçamento anual do estado de Alagoas...
EXTRA- E os recursos financeiros?
Prof. Elias Fragoso - Recursos privados existem e podem ser acessados à medida que surjam bons empreendimentos inovadores, disruptivos, que mostrem ser capazes de multiplicar rapidamente sua escala e capital. Só não dá mais pra ficar esperando do “pai Estado” que terá sim, que comparecer com o suporte infraestrutural e o redesenho da sua burocracia para facilitar a vida de quem se dispõe a romper com um dos maiores paradigmas da nossa história: o de que não somos capazes de sair desse atoleiro por nossas próprias mãos.
EXTRA- E o que precisa?
Prof. Elias Fragoso – Se o ecossistema empresarial local entender que é um bom negócio, e é, pode-se avançar o modelo de negócio para viabilização do cluster a partir das seguintes premissas (comprovadas): 1) grandes companhias/negócios podem surgir e se desenvolver em lugares improváveis e desafiadores, 2) apenas alguns empreendedores digitais são capazes de causar enorme impacto na economia local e nacional, e, 3) havendo modelo de negócio adequado, a sua alavancagem e sucesso é questão de tempo.