Dólar tem forte queda com exterior e sinais de alinhamento entre Lula e Haddad; Ibovespa sobe

Por Agência Estado 03/07/2024 - 18:33

ACESSIBILIDADE


Sinais de compromisso do presidente Lula com o controle das contas públicas e um possível arrefecimento das críticas ao Banco Central, aliados a uma onda de enfraquecimento da moeda americana no exterior, abriram espaço para uma queda expressiva do dólar no mercado doméstico de câmbio na sessão desta quarta-feira, 3.

Após três pregões seguidos de alta, em que acumulou valorização de 2,85%, o dólar à vista encerrou o pregão em baixa de 1,70%, cotado a R$ 5,5684. Em porcentual, foi a maior queda desde agosto de 2023. Na semana, a moeda agora apresenta queda de 0,36%. Referência do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para agosto apresentou giro forte, acima de US$ 16 bilhões, o que sugere redução de posições defensivas.

O real, que vinha apanhando bem mais que seus pares nos últimos dias, hoje foi de longe a moeda com melhor desempenho entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities. No ano, a divisa brasileira ainda amarga, ao lado do iene japonês, as maiores perdas em relação ao dólar.

Termômetro do comportamento da moeda americana na comparação com uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY operava no fim da tarde com baixa de cerca de 0,30%, ao redor dos 105,373 pontos. As taxas dos Treasuries recuaram após nova leva de indicadores abaixo do esperado nos EUA aumentar as chances de corte de juros pelo Federal Reserve em setembro.

Apesar da onda externa favorável a moedas emergentes hoje, é patente que houve uma redução de prêmios de riscos associados aos ruídos políticos locais, como os ataques do presidente Lula ao Banco Central, os temores de medidas heterodoxas para segurar o dólar e as dúvidas crescentes em relação à política fiscal.

Pela manhã, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se encontraram no Palácio do Planalto, em evento fora da agenda oficial, para tratar das contas públicas. No início da tarde, em meio ao lançamento do Plano Safra 2024/2025, vieram os primeiros sinais concretos de um discurso mais afinado.

Após citar que a política econômica vai ser conduzida para o país continuar crescendo, Lula disse que em seu governo "responsabilidade fiscal não são palavras, mas compromisso". Na mesma trilha, Haddad afirmou que "o compromisso fiscal é compromisso de toda vida do presidente". Foi o momento em que o dólar em que o dólar acentuou as perdas e tocou a mínima da sessão, R$ 5,5410.

Investidores aguardam agora desenlace de nova reunião hoje entre Haddad e Lula, no qual o ministro pretende apresentar ao presidente um cardápio de corte de gastos. Programado inicialmente para 16h30, o encontro foi adiado para 18h. Também estarão presentes na reunião os ministros da Casa Civil (Rui Costa), do Planejamento (Simone Tebet) e da Gestão (Esther Dweck).

O economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, afirma que é compreensível o mercado ter exigido mais prêmios nos ativos locais diante do aumento recente das incertezas, com um acúmulo "indigesto de ruídos locais", como as críticas de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Oliveira alerta, porém, que é preciso separar ruídos de mudanças efetivas na condução da política econômica.

"O que está acontecendo é ruído. Nada mudou nos fundamentos nos últimos 30 dias. Se for mesmo isso, vamos ver uma continuidade da melhora dos ativos domésticos. O mix de política econômica é bom, com crescimento e inflação comportada", diz Oliveira, para quem, pelo nível da taxa dos Treasuries de 2 anos, que está muito relacionada ao comportamento das divisas emergentes, o dólar deveria estar entre R$ 5,25 e R$ 5,30.

Ontem, Lula disse que havia um movimento especulativo contra o real e que era preciso fazer alguma coisa para conter a alta do dólar, o que suscitou rumores de adoção de medidas para controle de capital. Haddad disse hoje que a taxa de câmbio vai se "acomodar" por todas as ações que o governo está "fazendo e entregando". Ele também afirmou que a diretoria do Banco Central tem autonomia para atuar no mercado de câmbio "quando entender que conveniente".

Houve relatos ontem de que o BC havia consultados mesas de operação para saber se havia falta de liquidez em derivativos ou no mercado spot. Rumores de intervenção continuaram a circular hoje, contribuindo para o desmonte de posições cambiais defensivas.

Para Oliveira, do Pine, ajustes na comunicação do governo, com Lula dando mais ouvidos à equipe econômica que à ala política do Planalto, devem trazer a taxa de câmbio para níveis mais baixos. Ele diz que o BC fez bem em não intervir no mercado nos últimos dias, apesar da depreciação acelerada do real.

"Se o BC atuasse e o dólar voltasse em seguida a subir com força, ele teria como único instrumento a taxa de juros. E ele não quer subir os juros", diz o economista, que não acredita em mudança substancial na condução da política monetária com a troca de presidência do BC. "O Galípolo e o Picchetti, que foram indicados pelo atual governo, têm reforçado o compromisso com a busca da meta de inflação", acrescenta Oliveira, em referência ao diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, nome mais cotado para substituir Roberto Campos, e ao diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti.

Ibovespa

O "compromisso" do governo com a "responsabilidade fiscal", afirmado na hora do almoço pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contribuiu para que os ativos domésticos mantivessem ao longo da tarde a descompressão vista desde o começo desta quarta-feira. O ajuste no tom presidencial veio após dias de ataques reiterados à autonomia do Banco Central e ao nível da Selic, a taxa básica de juros - vale lembrar, mantida em 10,50% ao ano na reunião do Copom em junho com apoio, inclusive, dos quatro diretores indicados pelo governo para a autarquia.

Em dia iniciado com reunião do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com Lula no Palácio da Alvorada, a suavização da retórica presidencial - que havia lançado o dólar a R$ 5,70 na máxima de ontem - permitiu que a moeda americana acompanhasse hoje o sinal do exterior - em retração também frente a referências como euro, iene e libra, da cesta que compõe o índice DXY - e encerrasse em baixa de 1,70%, a R$ 5,5684. Na mínima, foi negociado a R$ 5,5410, em queda então na casa de 2%.

A curva de juros doméstica também cedeu, devolvendo parte dos prêmios que vinham se acumulando em paralelo à pressão no câmbio. E o Ibovespa, que vinha sustentando recuperação - ainda que tímida - a contrapelo do que se via no câmbio e nos contratos de DI, estendeu a retomada em 0,70% nesta quarta-feira, encerrando aos 125.661,89 pontos, no maior nível desde 21 de maio, então aos 127,4 mil pontos. Ainda assim, não conseguiu sustentar os 126 mil pontos, de boa parte da sessão.

Hoje, oscilou dos 124.786,64, mínima correspondente à abertura, até os 126.580,98 pontos, na máxima do dia, com giro a R$ 21,6 bilhões. Na semana e no mês, o índice da B3 sobe 1,42%, limitando a perda do ano a 6,35%.

O desempenho contou com forte apoio de Vale ON, a ação de maior peso individual no índice. Hoje, o papel subiu 1,99%, compensando em parte o ajuste negativo em Petrobras, com a ON da estatal em baixa de 2,07% (na mínima do dia no fechamento, a R$ 40,13) e a PN, de 1,74%. A sessão foi positiva para o setor financeiro, embora mais acomodado no fechamento, o que moderou o dinamismo do Ibovespa junto com o mergulho de Petrobras perto do fim da sessão. Entre as maiores instituições, destaque ainda para Itaú (PN +0,61%) e Banco do Brasil (ON +0,98%), além de Bradesco ON (+0,72%). Na ponta do Ibovespa, Yduqs (+7,21%), Vamos (+7,03%) e Carrefour (+6,41%). No lado oposto, Marfrig (-6,46%), JBS (-4,85%) e BRF (-3,64%).

Durante lançamento do Plano Safra no Palácio do Planalto, o presidente Lula afirmou nesta quarta-feira que "responsabilidade fiscal não são palavras, mas um compromisso deste governo desde 2003", em referência ao ano em que se iniciou seu primeiro mandato na Presidência da República.

"No governo, aplicamos o dinheiro necessário. Gastamos com educação e saúde no que for necessário, mas não jogamos dinheiro fora", disse também o presidente, em discurso sem referências a juros ou ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem vinha acusando de viés "político" na condução da autarquia. No evento, o presidente prometeu também "política econômica sem sobressaltos".

"O dia foi muito positivo, ajudado tanto pelo cenário internacional como pelo doméstico", observa Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research, chamando atenção para correlação que havia sido quebrada por ruídos fiscais que resultaram em cautela quanto aos ativos brasileiros. No meio da tarde, em dia de dados americanos abaixo do esperado, a ata do Fed - referente à mais recente reunião nos EUA - não resultou em mudança de sinal para os ativos, lá como aqui, com a curva de juros em declínio e índices de ações na maioria em alta na sessão.

"A curva de juros americana fechou, especialmente nos vértices mais longos, o que resultou em novas máximas históricas intradia para o S&P 500 e o Nasdaq. O Ibovespa foi ajudado pela descompressão nos juros futuros, e também pelo minério de ferro - que, junto com o petróleo, responde por quase 30% do índice considerando as empresas de ambos os setores na B3", diz Larissa. Hoje, o minério subiu 3,11% em Cingapura e 2,55% em Dalian (China), em alta pela sexta sessão seguida. O petróleo também avançou, em Londres e Nova York, embora o sinal não tenha sido acompanhado hoje por Petrobras, que ainda sobe cerca de 12% no ano.

"Foi um dia que o mercado estava precisando", acrescenta a analista, destacando o bom desempenho de empresas cíclicas, sensíveis a juros, como construtoras (Cyrela +1,38%, MRV +2,92%) e varejistas (Magazine Luiza +3,37%, Lojas Renner +2,22%).

"As falas de hoje foram apaziguadoras, o que contribui para que se capture, aqui, o otimismo que se vê lá fora, nos mercados internacionais - um alinhamento que não foi possível seguir nos últimos meses. O mercado brasileiro estava sedento por isso", diz a analista, destacando o tom "conciliador" adotado hoje em Brasília, que recoloca no centro do debate a necessidade de responsabilidade fiscal e de se respeitar o arcabouço.

"Depois de sequência importante de alta do dólar frente ao real, veio uma correção no câmbio. Mas a queda não aconteceu somente no Brasil, e reflete especialmente a resposta do mercado a uma série de dados econômicos que mostraram atividade mais fraca do que o esperado nos Estados Unidos, o que sugere trajetória descendente para a inflação americana", aponta Raquel Zucchi, head de Research da Investo.

Ela acrescenta que as leituras do dia reforçam a expectativa de que o Federal Reserve possa começar a cortar as taxas de juros ainda este ano. "Observamos esse movimento com cautela, na medida em que as expectativas de curto prazo são muito voláteis: mudam abruptamente conforme o sentimento do mercado."

Juros

Depois de um forte avanço nos pregões anteriores, as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) registraram queda hoje, num movimento de realização e ajuste de posições que acompanhou a desvalorização do dólar, motivada em parte por rumor de potencial intervenção do Banco Central no câmbio, e os juros dos Treasuries, após dados fracos sobre a economia dos Estados Unidos. Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também colaboraram para o movimento.

Jefferson Lima, gestor da mesa de reais e juros da CM Capital, ressalta que hoje houve fatores externos e domésticos colaborando para a queda dos juros futuros.

No exterior, dados mostraram um aumento maior que o esperado nos pedidos semanais de seguro-desemprego nos Estados Unidos e uma piora maior que a prevista na atividade do setor de serviços do país em junho. Além disso, as encomendas à indústria norte-americana contrariaram as expectativas e caíram em maio.

Todos os dados ajudaram a aumentar a aposta num corte de juros pelo Federal Reserve, o que se refletiu nas taxas dos Treasuries, que recuaram nesta quarta-feira de pregão encurtado nos Estados Unidos devido à proximidade do feriado do dia da independência do país, comemorada amanhã.

Em âmbito doméstico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se absteve de novas críticas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e reforçou, juntamente com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o compromisso do governo com o ajuste fiscal, afastando parte dos receios do mercado sobre a falta de unidade no Planalto a respeito do apoio ao equilíbrio das contas públicas.


Encontrou algum erro? Entre em contato