FAZENDA BREJO GRANDE
Recurso contra reintegração de posse dada a Álvaro Vasconcelos será julgado segunda-feira
Herdeiros reafirmam que tiveram direitos suprimidos sem respeito ao devido processo legal
“A terra é dos herdeiros e não do Álvaro (Vasconcelos)”. Com esse desabafo, os verdadeiros donos das terras da Fazenda Brejo Grande, no Benedito Bentes, Maceió, Alagoas, apelam para que a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça Alagoas reverta sua decisão anterior de devolver terras ao empresário sem que sejam dele. Os herdeiros denunciam terem tido seus direitos suprimidos sem o devido processo legal, atropelando, assim, o Artigo 5 da Constituição Brasileira. E esperam obter justiça no embargo impetrado por Lídia Araújo contra a decisão relâmpago de março que deu ganho de causa a Álvaro Vasconcelos e que foi incluído em pauta para julgamento na próxima segunda, 22 de maio.
E, acrescentou: “A pergunta que não quer calar é que será possível que as terras ‘compradas’ pelo Álvaro têm sempre algo inaceitável. Será que quem faz negócio por ele tem certa intimidade com o além?”. A resposta ao registro feito junto à Ouvidoria do CNJ (370825), foi de que compete ao CNJ o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e dos deveres funcionais dos juízes”, e que não cabe “intervir em matéria de cunho jurisdicional”. E sugere que procurem a Defensoria Pública ou um advogado para auxiliar na adoção de medidas judiciais cabíveis.

Vale ressaltar que a denúncia se refere ao fato de que o empresário está se apossando de terras que ele não comprou. Apenas adquiriu 14 hectares da Nelma e 14 hectares da Noélia, mas não comprou a da outra herdeira, a Neyde. É o que João Uchôa, advogado de Lídia Araújo, argumenta no embargo declaratório que será julgado em breve. Além desse embargo, foi feita denúncia junto ao Ministério Público de Alagoas (que não participou do julgamento) e ao CNJ para reverter a decisão.
Em resposta, o MP alegou que como não se trata de questão de interesse coletivo público, este tipo de caso não é de interesse do Ministério Público. E orientou a parte interessada a denunciar “possível imparcialidade do Poder Judiciário junto à ouvidoria do Tribunal de Justiça”. O órgão se amparou no art. 178 do Código de Processo Civil vigente que trata especificamente da “intervenção do Parquet sempre que estiverem em jogo interesse público evidenciado pela qualidade da parte ou natureza da lide”.
O fato é que Lídia Araújo e o esposo Vitor Araújo foram arrendatários das terras por muitos anos, bem antes de Vasconcelos comprar parte das terras de duas das três herdeiras. Além do que, após ser expulsa da área há alguns anos, Lídia voltou para as terras por ordem da Justiça. Mais uma vez, Álvaro insiste em tomar posse da propriedade. “O que o Álvaro fez há alguns anos foi invadir a área, colocar fogo nas casas e quebrar tudo, expulsando as famílias do lugar. Esse julgamento relâmpago, sem ouvir as partes interessadas, foi injusto. O que queremos é um julgamento justo, que não acoberte um fazendeiro que quer tomar a terra do povo”, diz um herdeiro ao afirmar que o empresário não comprou a área em que dona Lídia trabalha.
Inclusive, os herdeiros dessa parte de terra em questão não foram citados no processo, não houve formal de partilha, nada dividido. “Nunca foi feito inventário. Álvaro é proprietário de apenas 28 hectares”, garantiu. O dono da terra se refere aos 55 hectares herdados pelas três filhas. Porém, uma delas, Neyde, faleceu antes da venda da parte das duas irmãs e mesmo assim o empresário que se apropriar deste pedaço onde o esposo de dona Lídia, Vitor Araújo (falecido), trabalhou por mais de 40 anos. “O que queremos é que o Tribunal não julgue por aparência e não faça mais uma desgraça como a de antigamente, quando foi ceifada a vida de muitos jovens que foram obrigados a sair da fazenda e jogados nas ruas, tornando-se delinquentes, mortos imaturamente tudo por uma ação injusta”.
“Que lei é essa que você é reintegrado em uma área que não comprou? As provas estão nos autos e os herdeiros estão se manifestando para entrar nesse processo, embora nenhum foi intimado. Dona Lídia ocupa área dos herdeiros e não do Álvaro”.
O PEDIDO
O que será julgado no dia 22 são os Embargos de Declaração Cível (0010076-45.2006.8.02.0001) de Lídia Araújo contra o Acórdão da Apelação Cível que tramita na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que em março, à unanimidade de votos, conheceu e deu provimento ao recurso interposto pela parte autora (Álvaro), reformando a sentença, para julgar procedente o pedido autoral de reintegração de posse.
No recurso, a parte embargante sustenta que “o Acórdão padece de contradição alicerçada em premissa fática equivocada, visto que não houve o inventário dos bens deixados por Natália Vieira de Araújo, e a consequente partilha do imóvel aos herdeiros". A defesa é que "a fração de terra que ocupa é aquela cedida por Nelma Amorim Flores" e, que, essa fração de terra não foi adquirida pela parte embargada”. Já o empresário afirma que "não há, no acórdão impugnado, qualquer valoração fática equivocada dos autos, senão a análise correta das provas de quem dispõe do exercício de posse sobre o imóvel".
O CASO
Herdeiros das irmãs Noélia, Nelma e Neyde (falecida) querem suas partes da Fazenda Brejo Grande que foram invadidas por Álvaro José dos Montes Vasconcelos. Segundo argumentam os donos da propriedade, o empresário teria comprado apenas 28 hectares de terras, mas quer usufruir dos 55 hectares.
O problema é antigo e remonta ao início de 1966 quando Natália Vieira de Araújo herdou do pai (Júlio Vieira de Araújo) 55 hectares de terras da Fazenda Brejo Grande, que em sua totalidade tinha 220 hectares. Ao falecer, Natália deixou para cada uma das três filhas 18 hectares. Conforme contrato de compra e venda, Nelma e Noélia venderam 14,285 hectares de suas partes a Álvaro. Já Neyde Lins de Amorim faleceu em 8 de agosto de 1997, aos 58 anos, antes da negociação das terras, que se deu em 2008. Como não tinha herdeiro direto, sua parte ficaria com os sobrinhos.
Mas Álvaro Vasconcelos argumenta ser dono dos 55 hectares (o que inclui a parte de Neyde), mesmo o formal de partilha provar que o empresário adquiriu apenas 28 hectares. A cláusula C1.0 comprova que “as vendedoras estão vendendo seus quinhões hereditários, correspondentes a 14,285 hectares cuja descrição, características e situação descritas”. Inclusive, os documentos provam que o empresário pagou R$ 60 mil, de acordo com os cheques com números, datas e valores. Foram pagos R$ 15 mil em 20/5/2008 (cheque 851561), em 20/6/2008 mais R$ 15 mil (cheque 851562), em 20/7/2008 outra parcela de R$ 15 mil (851563) e em 20/8/2008 mais R$ 15 mil (cheque 851564).

Lídia tinha contrato de arrendamento da área pertencente a Neyde que era solteira e sem filhos. Quando terminou o período do contrato, Vasconcelos se declarou dono. “Ele comprou apenas uma parte. Esses hectares que não foram vendidos são meus e de meus irmãos”, disse uma sobrinha herdeira de Neyde. Apesar de provas, decisão da 1ª Câmara Cível de 1º de março deste ano, em julgamento relâmpago, considerou procedente recurso em que o empresário pedia reintegração de posse da propriedade rural ocupada pela família de dona Lídia, esposa do agricultor Vitor Araújo.
Conforme declaração de 2 de fevereiro de 2006, Nelma Amorim Flores autorizou Lídia Araújo a fazer qualquer plantio em sua propriedade situada na Fazenda Brejo Grande medindo 27 hectares e meio, na qual fazia plantio há mais de vinte anos. Logo, dona Lídia não trabalha nos 28 hectares pertencentes a Vasconcelos. Já Vitor Araújo, esposo de Lídia, não tinha contrato algum. Trabalhou por 40 anos em terras pertencentes a Neyde, a qual não fez qualquer negociação com Vasconcelos. Apesar das evidências, em 2006 Álvaro Vasconcelos entrou com ação no Tribunal de Justiça para expulsar o agricultor das terras e foi atendido, decisão posteriormente revogada e que voltou a prevalecer com a decisão de março deste ano.
Caso semelhante acontece com herdeiros do agricultor Antônio Cândido (falecido) que lutam desde 1984 para reaver a Fazenda Duas Bocas, também invadida por Vasconcelos e igualmente localizada no Benedito Bentes. Integram a 1ª Câmara Cível do TJAL os desembargadores Paulo Barros da Silva Lima (relator), Tutmés Airan e Klever Loureiro.
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