OPINIÃO

Visita do presidente da Braskem: um escárnio para Alagoas

A participação da Braskem na economia alagoana é ínfima, afirma economista
Por Elias Fragoso - Economista 16/02/2025 - 07:56
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Afrânio Bastos
Braskem em Maceió
Braskem em Maceió

Foi com esse sentimento que os alagoanos viram a “visita” (sic!) relâmpago - quase às escondidas - do presidente da Braskem a Maceió, em janeiro deste ano.  Que, com a sutileza de um elefante numa sala cheia de cristais, a empáfia dos déspotas impunes e o desrespeito contumaz da Braskem a Alagoas, chegou e mandou ver: em visita ao presidente da Federação das Indústrias, Sr. José Carlos Lira  comunicou que, pasme o leitor:

O recado do presidente da Braskem para Alagoas

a) Se o Estado não [se dobrar às suas vontades] renovar a sua licença para operar na Praia do Pontal, a Braskem desmobilizará o complexo químico que mantém naquele local - no coração do centro urbano de Maceió - e transformará a área em depósito para os produtos das indústrias que ela opera em Marechal Deodoro.
b) Não aceita que Alagoas cogite a transferência do complexo químico da empresa do Pontal para área mais segura. Nesse caso, segundo ele [antes disso prosperar], prefere desativar todo o conjunto.
c) Ele também “comunicou” que a empresa já decidiu não mais explorar o sal-gema de Alagoas e que continuará importando a matéria prima do Chile, mesmo sendo mais cara;
d) Avisou ainda que – de imediato – está descontinuando as atividades de uma das três casas de células existentes no complexo químico do Pontal da Barra “Explicou” que a casa de célula desativada demanda um “conserto” de meio bilhão de reais (consultados especialistas, afirmam que o valor é no máximo 20% do anunciado) e que as duas outras – confirmando o que sempre afirmamos sobre o “sucatão” do Pontal – estão defasadas, superadas tecnologicamente e exigem outros 500 milhões de reais para serem “atualizadas” (valor também contestado para bem menor por especialistas).

Afora o total desrespeito para com Alagoas, com o governo de Alagoas (destinatário involuntário do “recado”), os alagoanos em geral e, em particular os afetados pelo megadesastre que a empresa provocou em Maceió, aquele que é considerado o maior crime ambiental do planeta em área urbana, essa lamentável fala do presidente da Braskem está mais para um blefe, e deve ser vista como mais uma pressão da multinacional para novamente impor seus interesses. É o recorrente jogo bruto que ela utiliza para dar a seus vassalos locais os argumentos a usar como “explicações” para atenderem – sabe-se lá a que custo – os seus desejos.

As ameaças, os blefes, o oceano de fakes, os conchavos de bastidores, as chicanas judiciais, as “cooptações” de políticos e autoridades, a ausência de respeito aos regramentos legais está no DNA desse grupo condenado no Brasil e nos EUA na operação Lava Jato.  São parte do seu repertorio de iniquidades contra aqueles que se atreverem a enfrentá-los. Levar vantagem é seu mantra, não importa os “esqueletos” que ficarem no caminho...

A novidade desta feita, foi o desplante de mandar o recado ao governo de Alagoas pelo presidente da FIEA, sequer se dando ao trabalho de tratar temas de tal envergadura diretamente com o governo estadual. Virou esculhambação.

Agora, o preocupante silêncio das autoridades até o momento é de deixar os cabelos dos alagoanos arrepiados. Vão, de novo e em detrimento de Alagoas se acovardarem e atender aos pleitos desarrazoados dessa empresa? Por que ninguém veio a público para estabelecer a posição e os marcos de Alagoas neste caso? Quando, afinal, o governo vai agir em defesa dos interesses dos seus eleitores, do seu povo? Quando o governo de Alagoas vai iniciar processo crime contra a Braskem pelo maior desastre ambiental do mundo em área urbana? Quando a justiça estadual e a federal vão parar de se omitir ou decidir quase sempre contra os interesses dos cidadãos afetados?

Dos muitos venenos que corroem o nosso tecido social, nenhum é tão insidioso e letal quanto a corrupção. Ela não tem ideologias, opera no silêncio das omissões, nos desvãos do caráter e das prevaricações. Não há desculpas para proteger a Braskem.

De novo, a participação da Braskem na economia alagoana é ínfima

Até por que, afinal, essa empresa, vou relembrar mais uma vez, representa menos de um por cento do PIB do nosso estado, emprega tão somente 570 pessoas (boa parte de fora do estado), recolhe menos de 3% do ICMS para a fazenda estadual, recebe milhões em benefícios fiscais irregulares que deveriam ter sido suspensos desde o megadesastre. E, para fechar, um dado estarrecedor: o PIB de Alagoas entre os anos de 2002 até 2021 relativo ao período de existência da Braskem no Estado ao invés de aumentar, regrediu. É preciso mais para as autoridades reagirem aos abusos e despropósitos dessa empresa?

 A quem se interessar por esse e outros dados, o livro está disponível na livraria Leitura do parque shopping, e seu título é: Rasgando a cortina de silêncio$, o lado B da exploração do Sal-Gema de Maceió.

Contra argumentos

O presidente da Braskem sabe, mas finge ignorar que:

1. Em primeiro lugar, qualquer neófito sabe que uma indústria química não pode operar no centro urbano de uma cidade pelos perigos potenciais à vida e ao bem estar da população;
2. Em segundo lugar, que no caso da ocorrência de um acidente de grandes proporções, segundo documento de 1986, produzido por consultores da Braskem, o mesmo poderá, no limite, afetar até 40% da população de Maceió;
3. Em terceiro lugar, existem Leis federais, estaduais e municipais que regem o assunto e impedem que situações como a de Maceió permaneçam impunes;
4. A CPI da Braskem, notoriamente administrada pela empresa recomenda a relocalização do complexo para local seguro e vai mais longe, sugere a não concessão de renovação da licença à Braskem para continuar operando naquela localidade;
5. Por fim, no caso do complexo químico da Braskem localizado na praia do Pontal da Barra, pesquisa mostrou que a maioria arrasadora dos maceioenses entrevistados é frontalmente contrária à presença da indústria naquele local.

A irredutibilidade do grupo NOVONOR nesse tema é apenas e tão somente em obediência ao mantra de não abrir mão de nada numa negociação e ir às últimas consequências para tal. Nada mais que isso. E nossas autoridades, agora não tem mais a desculpa de antes, “de que não sabiam agir num caso complexo como esse”. Agora sabem de tudo. Inclusive do modus operandi predador da empresa.

A (altamente improvável) desativação da unidade de cloro-soda:

1. A unidade de cloro-soda a que a Braskem sempre se refere quando trata do complexo químico do Pontal, na verdade é composta por três “casas de células” com mais de 200 células em cada uma. É lá que produzem cloro, hidrogênio e soda cáustica. 
2. Uma destas casas de células está com problemas e a empresa está desativando a sua operação. O conserto custa segundo o presidente, 500 milhões, mas especialistas estimam em até 20% disso.
3. O presidente da Braskem aproveitou o encontro para mandar o recado de que só reforma a unidade, se receber a licença de operação. Extorsão pura.
4. As duas outras em operação também precisam ser modernizadas e isso vai custar outros 500 milhões segundo a empresa e até 20% disso, segundo analistas. O que significa que o que aí está atualmente se trata de um “sucatão” com significativos problemas de manutenção, como alertamos várias vezes neste espaço.
5. Se os valores fornecidos pela empresa estiverem corretos, significa que para as três casas de células serem “modernizadas” permanecendo com partes significativas do que aí está, a Braskem se dispõe a investir um bilhão de reais (desde que ganhe a licença de presente);
6. Então, por que não implantar uma nova indústria em local seguro a valores basicamente iguais aos que ela se dispõe gastar para “consertar” as células e sem ter problemas com licenciamento?

Não são razões técnicas, operacionais, comerciais ou estratégicas que regem a posição da empresa. É birra mesmo. É mostrar que tem força e que Alagoas tem que se curvar às suas vontades!

7. E para isso, ela sabe poder contar com seu “exército” da 5ª coluna alagoana

A não utilização do Sal-Gema de Alagoas

Não foi à toa que os pioneiros da exploração do sal-gema em Maceió venderam a lorota de que a sua exploração seria a redenção econômica de Alagoas. Uma mentira gigante como já provamos em livros e artigos. Mas o mantra desenvolvimentista e as seguidas fakes das empresas que lideraram a produção predadora nesse meio século inculcaram de tal forma na sociedade alagoana aquela fake que, até hoje, mesmo aqueles que acompanharam de perto os estudos, levantamentos e pesquisas que provaram o brutal prejuízo causado a Alagoas, as vezes se sentem pressionados com a avalanche de dúvidas suscitada na sociedade seja por desinformação (que continua) ou desconhecimento, mesmo.

O fato objetivo é que o modelo de negócio imposto a Alagoas para a exploração do Sal-Gema foi tipo: nós levamos tudo, vocês não ganham nada. E isso está provado. É preciso redesenhar a modelagem negocial para a exploração da nossa principal riqueza pela Braskem ou outros interessados.

O presidente da Braskem no mínimo tergiversa quando afirma que não mais irá utilizar o sal-gema de Alagoas (melhor e mais barato que o do Chile). Afinal, como ele justificaria para os donos da empresa e o seu conselho uma decisão antieconômica dessas? O que ele quer é, de novo, comandar a negociação em proveito único da empresa.

Com as informações e dúvidas dirimidas, se as autoridades alagoanas e da justiça liberarem a operação da empresa no Pontal ou autorizarem a mineração do sal-gema sem antes alterar – para equilibrar – o modelo de negócio entre a empresa e o Estado, elas estarão condenando Alagoas a outro século de muito atraso e nenhum desenvolvimento (não custa lembrar que apesar dos discursos, Alagoas é a terceira pior renda per capita do país, uma lastimável posição. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2023 (PNAD Contínua).

Negociações às escondidas como a que a prefeitura realizou e até onde se sabe, o estado ensaia fazer, somente vantagens trará para a Braskem, uma empresa irrelevante do ponto de vista da sua participação na riqueza local (cerca de 1/2 % do PIB), uma empresa comprovadamente predadora dos nossos recursos minerais; que cometeu o maior crime ambiental do mundo e se recusa a pagar o que deve aos 140 mil afetados (e não 55 mil como ela diz) que ela prejudicou; que se apossou irregularmente das áreas pertencentes às vítimas; que vêm interditando o crescimento de Alagoas ao não equalizar o seu passivo para que os alagoanos e o Estado sigam com a sua vida.

É preciso que se diga também, que os afetados, abandonados na beira da caminhada pelo governo do estado e pela prefeitura de Maceió, estão se articulando para apresentar proposta diretamente à empresa evitando com isso todos os custos embutidos quando entes estatais estão envolvidos. Ao tempo que iniciam tratativas com a Braskem, simultaneamente estão se posicionando para o encaminhamento dos seus casos à justiça holandesa. O sentimento é de que chega de postergações.

Por outro lado, a sociedade está se movimentando para encaminhar na quinta feira desta semana que se inicia, carta aberta aos bancos credores da Braskem (que estão em tratativas para a aquisição da empresa) alertando-os do enorme passivo em aberto da empresa em Alagoas (que ela não toca e torce para que os afetados fiquem quietos até a sua venda, para o grupo NOVONOR se livrar do problema). Não será assim, segundo os afetados.

Não querem mais ficar na janela vendo a banda passar. Tornaram-se maestros, condutores dos seus negócios.

A ver.

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