Opinião
Braskem blefa, mas as vítimas não se intimidam
Representante das vítimas denuncia jogo da empresa mineradora quando diz que pode fechar as portas
Em Maceió, a ferida aberta pela Braskem continua exposta. O afundamento de bairros inteiros, o deslocamento forçado de milhares de famílias e o impacto ambiental irreversível são cicatrizes de um crime que não se apaga. No entanto, em vez de assumir plenamente sua responsabilidade, a Braskem prefere jogar. E o jogo mais recente é a ameaça de fechar suas operações em Alagoas caso não consiga renovar suas licenças.
Esse discurso, apresentado como chantagem velada, busca desviar o foco da verdadeira questão: a reparação justa às vítimas. A empresa, que já destinou mais de R$ 12 bilhões em indenizações e realocações, tenta transformar a renovação de sua licença em um falso dilema: ou continuam explorando ou Alagoas perde empregos e arrecadação. Mas nós sabemos a verdade: essa ameaça é um blefe, uma estratégia clássica de grandes corporações que tentam escapar de sua responsabilidade social e ambiental.
A Dor Invisível: 20 Suicídios e o Desespero das Vítimas
Desde 2018, aproximadamente 60 mil pessoas foram arrancadas de suas histórias, expulsas de suas casas nos bairros de Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Mutange e Farol. O impacto psicológico é devastador. Sem casa, sem comunidade e sem perspectiva, 20 vítimas dessa tragédia já tiraram a própria vida, consumidas pelo desespero e pela perda de tudo o que construíram.
O caso mais recente é o de Dona Pureza, símbolo de luta e resistência. Dona Pureza batalhou por uma indenização justa e pela realocação de sua família, mas foi vencida pela angústia da espera, marcada por promessas vazias e descaso. Sua morte é um lembrete cruel de que a injustiça também mata.
Essas mortes não são números, são gritos silenciados por uma reparação que nunca chega. São vidas que poderiam ter sido salvas se a Braskem e as autoridades tivessem tratado essa tragédia com a seriedade e a humanidade que ela exige.
A Luta das Famílias dos Flexais, Quebradas e Marquês de Abrantes
Entre os que mais sofrem estão as famílias dos Flexais, Quebradas e Marquês de Abrantes, comunidades que seguem invisibilizadas no debate público. Elas vivem uma verdadeira tortura: convivem com o risco iminente de novos afundamentos e com a espera cruel por realocação e indenizações justas.
Essas comunidades, profundamente ligadas ao ambiente lagunar, perderam não só suas casas, mas também seu sustento. Marisqueiras, pescadores e pequenos comerciantes viram seus modos de vida serem arrancados junto com o chão sob seus pés. Enquanto a Braskem insiste em blefar, essas famílias sobrevivem entre escombros, lama e promessas vazias.
Os Flexais, em particular, se tornaram símbolo de resistência. A cada audiência pública, seus moradores gritam por justiça, exigindo serem tratados com dignidade. São pessoas que não aceitam acordos que subestimam suas perdas. Querem mais que valores financeiros: querem respeito, querem o direito de recomeçar.
A Carta de Alagoas: Voz das Vítimas
Em dezembro de 2023, a luta das vítimas ganhou força com a publicação da “Carta de Alagoas”, documento que apresenta reivindicações claras:
• Criação de um gabinete permanente para gerir a crise ambiental;
• Ações judiciais para devolver imóveis aos proprietários afetados;
• Monitoramento contínuo das áreas de risco;
• Assistência direta a pescadores e marisqueiras prejudicados.
Essas demandas não são favores. São o mínimo diante da destruição causada.
Do G20 à Chantagem da Braskem- Em setembro de 2024, durante o G20 em Maceió, o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) levou a denúncia ao palco global, entregando uma carta às autoridades internacionais. O pedido era direto: responsabilização das transnacionais por crimes ambientais e apoio efetivo às vítimas.
Em resposta à crescente pressão, a Braskem lançou seu blefe: ameaçou encerrar suas atividades em Alagoas caso não tenha suas licenças renovadas. É a velha tática: usar o medo do desemprego para dividir a sociedade e colocar trabalhadores contra vítimas.
“Eles destruíram nossas casas e agora querem sair pela porta dos fundos sem pagar a conta. Esse blefe não nos cala. Exigimos justiça, não chantagem”, desabafa Maria da Conceição, moradora dos Flexais.
Indiciamentos Limitados: Os Figurões Permanecem Intocados
Em novembro de 2024, a Polícia Federal anunciou o indiciamento de 20 pessoas ligadas à Braskem por crimes ambientais e danos ao patrimônio público. No entanto, é preciso destacar: os indiciamentos pararam no segundo escalão. Nenhum figurão da alta cúpula da Braskem foi responsabilizado.
Essa blindagem do topo da pirâmide corporativa persiste mesmo após a CPI da Braskem no Senado, onde a própria empresa reconheceu, em depoimento oficial, sua responsabilidade pelo desastre. Apesar dessa confissão, os indiciamentos continuam restritos a gerentes, diretores regionais e técnicos — protegendo os altos executivos e acionistas.
O Blefe da Braskem e a Justiça que Falta
A Braskem blefa ao ameaçar deixar Alagoas, mas as vítimas sabem que sua saída não apaga os crimes cometidos. Fechar as portas não significa zerar o passivo ambiental e humano. O povo de Maceió exige que, antes de qualquer partida, a empresa pague integralmente pelos danos que causou.
Seja nos tribunais ou nas ruas, a luta segue. E as famílias dos Flexais, Quebradas e Marquês de Abrantes continuam de pé, sustentando a bandeira de uma reparação justa e digna. Elas não cairão no blefe. Elas querem justiça.
E enquanto essa luta seguir, eu estarei ao lado das vítimas. Sempre.
Maurício Sarmento