Prelúdio de uma nova crise? Superfederação do Centrão muda as 'regras do jogo', dizem analistas

Por Sputnik Brasil 05/05/2025 - 17:10
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© Foto / enato Araújo / Câmara dos Deputados
Prelúdio de uma nova crise? Superfederação do Centrão muda as 'regras do jogo', dizem analistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que a superfederação lançada pelo União Brasil e o Progressistas é resultado da força obtida pelo Legislativo por meio das emendas parlamentares e indica uma mudança na regra do jogo político, iniciada após o impeachment de Dilma Rousseff.

A superfederação lançada na semana passada pelo União Brasil e o Progressistas se tornará um desafio para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Com um discurso de oposição e críticas veladas ao governo federal em seu manifesto de lançamento, a federação, intitulada União Progressista, contará a maior bancada do Congresso, com 109 deputados, 14 senadores e de cerca de R$ 1 bilhão em fundo eleitoral.

Ela também tem quatro ministros no governo Lula. O Progressistas conta com o ministro dos Esportes, André Fufuca, enquanto o União Brasil conta com os ministros Celso Sabino (Turismo), Frederico de Siqueira (Comunicações) e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional).

No entanto, apesar de fazer parte do governo, a nova União Progressista tem divergências ideológicas com o governo Lula. O projeto da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, por exemplo, é descartado pelo governo mas apoiado por 68% dos deputados do União Brasil e 73% do Progressistas, segundo um balanço divulgado pela Câmara dos Deputados.

A federação também conta com um potencial presidenciável nas próximas eleições, o governador de Goiás Ronaldo Caiado (União Brasil-GO). Antes crítico da federação, Caiado aceitou participar diante da promessa de a sua candidatura em 2026 caso ele obtenha pelo menos 10% das intenções de voto.

À Sputnik Brasil, o professor titular de ciência política e coordenador do Programa de Pós-Graduação Profissional em Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho, afirma que as federações são foram implantadas na reforma eleitoral de 2021 com o objetivo de preservar partidos pequenos com linhas ideológicas específicas, mas sem desenvoltura eleitoral para ter vida política longeva.

Como exemplo estão o PCdoB, mais a esquerda, e o Novo, mais a direita. "A a federação permite o consórcio de vários partidos em torno de uma plataforma comum."

"Essa união entre a União Brasil e o Progressistas, ao que tudo indica, vai nessa linha de capitanear com a regra do jogo e trazer para si um capital político fora do comum."

Para Carvalho, a federação não é um indício de que o Centrão está se distanciando do governo Lula, mas apenas se aproveitando dos incentivos.

Desde 2015 quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo da então presidente da República Dilma Rousseff e realizou o impeachment, o Legislativo percebeu que era necessária uma maior autonomia, principalmente orçamentária, em relação ao governo. "E foi se começando a delinear ali já os primeiros passos para se criar esse sistema atual de emendas parlamentares."

Esse mecanismo orçamentário criou uma "grande independência" do Congresso em relação às propostas do Planalto. "Um suporte do governo às suas propostas já deixa de ser algo tão importante", explica o professor, visto que o Legislativo passa a assegurar recursos para atender às suas próprias demandas locais, regionais e até mesmo nacionais. "E isso, obviamente, muda um pouco a regra do jogo."

Antes, o Executivo conseguia apoio do Legislativo através de medidas provisórias, indicações para cargos no governo e até mesmo por mecanismos irregulares, como o Petrolão e o Mensalão.

"Isso era o 'cimento' que fazia com que os parlamentares se alinhassem com o governo. Agora com as emendas parlamentares transferindo recursos significativos para os parlamentares, esse modelo não está rodando mais."

"Na verdade, o que a gente está vendo é o processo de consolidação de uma nova ordem de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo."

Ele afirma ainda todo governo e todo espectro político, seja de esquerda, direita ou centro, que governar o país terá de dialogar com o Centrão, que ele afirma ter como matriz ideológica o pragmatismo. "Isso já acontecia no governo Bolsonaro e já acontecia no governo Dilma lá atrás".

"Então não há possibilidade de um presidente ou de uma presidente eleita avançar com suas propostas de governo sem um alinhamento com os partidos de centro", diz. "Principalmente para compor votações importantes no Congresso."

Carvalho destaca que há uma aliança entre o Executivo e o STF para tentar neutralizar esse modelo que vem sendo institucionalizado. Segundo ele, essa aliança é liderada pelo ministro Flávio Dino, e mira sobretudo o uso das emendas parlamentares como "mola propulsora da independência do Legislativo frente ao Executivo".

"Tem sido a estratégia principal [do governo] recorrer ao STF, onde o PT, sob o presidente Lula e a ex-presidente Dilma, indicaram grande parte dos ministros. Isso lhe dá uma capacidade de interlocução, de composição e de lobby judicial muito forte."

'Centrão não tem nada de centro'

Mateus Mendes, mestre em ciência política e autor de "Guerra híbrida e neogolpismo" e de "É a ideologia, estúpido!", afirma que "a partir da revolução colorida de 2013, o Brasil entrou em uma crise, marcada pela instabilidade institucional e pelos avanços da agenda da direita".

A retirada da presidente Rousseff do poder foi capitaneada por um consórcio de partidos e parlamentares "que são extremamente reacionários e fisiológicos", diz Mendes, os mesmos que desde 2015 vem impondo seu poder sobre o Orçamento.

"O aspecto reacionário se vê pelas pautas misóginas, racistas e antipopulares: PEC do teto de gastos, contrarreforma trabalhista, estatuto do nascituro e projetos que naturalizam o racismo", afirma.

"Assim, esses setores se impuseram sobre os governos Dilma, Temer, Bolsonaro e, agora, Lula. Então, hoje, o que temos é que o governo em geral - não apenas o governo Lula - não tem instrumentos eficazes para barganhar com o Legislativo."

A recusa do deputado Pedro Lucas (União Brasil-MA) para o convite de assumir o Ministério das Comunicações ilustra como hoje "é melhor ser líder de bancada no Congresso de que assumir um ministério".

"Estamos em um círculo vicioso, de forma que a criação dessa federação é tanto resultado do que a crise acumulou até aqui quanto é o prelúdio de uma nova crise."

Segundo Mendes, a estratégia do governo de conciliação com o Centrão acaba alimentando a oposição e cria dificuldades para o público em geral em entender a dificuldade que o governo tem de entregar resultados sociais.

Para o especialista, Centrão "não tem nada de centro", sendo chamado dessa forma por "preguiça, concessão e licença poética", e que o bloco é "um consórcio de direita e reacionário". É difícil afirmar que o Centrão fica ao lado de "quem dá mais", crava.

"Antes, os parlamentares [do Centrão] aceitavam determinados avanços sociais e econômicos porque poderiam ganhar visibilidade na sua base e porque poderiam negociar esses avanços sociais com o atendimento de outras pautas."

"Mas hoje? Com orçamento secreto, um parlamentar de direita manda recurso direto para os prefeitos aliados em maior volume, com maior liberdade e sem controles do que um ministro, que para aprovar a melhoria de uma instalação pública precisa de licitações que demoram meses, senão anos, e ainda estão sujeitos a fiscalização de órgãos de controle, da mídia e da sociedade."

Por Sputinik Brasil


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