Irritação do agro com Bolsonaro será capaz de aproximar setor de Lula?

Por Sputnik Brasil 06/08/2025 - 15:35
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Irritação do agro com Bolsonaro será capaz de aproximar setor de Lula?

Especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil ressaltam que alinhamento político dos ruralistas com o bolsonarismo ultrapassa as barreiras econômicas e é ancorado em questões ideológicas.

O tarifaço imposto às exportações brasileiras pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entrou em vigor nesta quarta-feira (6). Produtos tradicionais da pauta brasileira com Washington, como café, carne e frutas terão uma nova taxa de 50%.

A ação econômica do republicano foi celebrada por membros da família Bolsonaro, como Eduardo, que está nos Estados Unidos e alega ter feito lobby junto ao governo norte-americano para esta política de taxação.

Mérito do deputado federal do PL ou não, uma das justificativas de Trump para os novos tributos é, justamente, a ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro que vigora no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito das investigações da tentativa de golpe de estado de 2022. Segundo o mandatário norte-americano, o ex-presidente do Brasil é vítima de uma perseguição política similar a que ele próprio teria sofrido.

Em especial Trump e bolsonaristas brasileiros destacam as ações, do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, relator do processo.

Ironicamente, um dos setores mais afetados pela taxação promovida por Trump é o agronegócio, que nos últimos anos foi um dos maiores apoiadores de Bolsonaro por meio da bancada ruralista.

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas afirmaram que mesmo com perdas e irritada com os Bolsonaros, a Frente Parlamentar Agropecuária não deve acenar para o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva Lula.

João Feres, professor titular de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (GEMAA), destaca que à reportagem que não há caminhos para a imagem do clã Bolsonaro sair fortalecida.

No entanto, isto não se converterá em apoio ao atual governo. "Em um futuro em que haja um confronto eleitoral entre bolsonaristas e petistas, esses setores voltarão tranquilamente a apoiar a direita."

Para Feres, que coordena também o Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público (LEMEP) não há muito que o presidente Lula, fundador do Partido dos Trabalhadores, possa fazer para atrair politicamente a bancada do agro, marcada pelo ultraconservadorismo quando o assunto são relações trabalhistas.

"A bancada do agro, pelo menos os mais radicais, acho que vão continuar no mesmo lugar. Por mais que o governo Lula tenha políticas super generosas em relação ao agro — acho que está longe de ser um governo que está pregando reforma agrária e desapropriação de terra. Mas, vamos dizer, essa batalha política, acho que Lula já perdeu."

O cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando acredita que o apoio da bancada ruralista é baseado em dois vetores importantes: fidelidade ideológica com o bolsonarismo e pragmatismo econômico.

Dessa forma, enquanto uma parcela do agronegócio pode entender que a origem das tarifas está na família Bolsonaro, em outra o "ódio ao PT" pode falar mais alta. "Essas pessoas vão manter o apoio", diz.

Para Prando, seria mais razoável se a bancada ruralista fizesse um aceno ao centrão, marcado por "navegar de acordo com o poder político" e não por "uma orientação ideológica monolítica". Ainda conforme o especialista, agronegócio e esquerda têm ideais distintos que desde a concepção impediriam qualquer alinhamento.

"Acho pouco provável [uma união] por conta da estrutura mental, ideológica, valorativa, que ocorra um alinhamento do agro com a esquerda, os progressistas. As teses e pautas muitas vezes estão absolutamente contrárias àquilo que é desenvolvido no agronegócio."

Qual o impacto político da bancada do agronegócio?

A Frente Parlamentar da Agropecuária possui 324 deputados federais e 50 senadores, o que torna a bancada ruralista maioria absoluta nas duas casas do Congresso Nacional. Embora grande número destes parlamentares não estejam na mídia todos os dias, cada um deles possui um enorme poder político na luta a favor do agronegócio e, muitas vezes, do antiambientalismo.

Feres destaca que esta representatividade cresceu ainda mais com a união com outras bancadas, como a policial e a evangélica, criando a sigla BBB: boi, bíblia e bala.

"Eles têm um lobby muito forte no Congresso Nacional e são capazes de aprovar leis, apresentar projetos de lei, vide o que está acontecendo agora, inclusive, com a regulação ambiental. Então, politicamente, eles são muito articulados, muito fortes, investem no lobby parlamentar."

Prando acredita que este poder presente, em especial na bancada do agronegócio, se dá pelas raízes históricas do Brasil com o setor, que remetem aos tempos da colonização portuguesa e o cultivo de café e outras culturas, impulsionando, até hoje, o Produto Interno Bruto (PIB) do país.

"O agronegócio tem importância política porque tem, essencialmente, importância econômica. E essas duas dimensões, a realidade política e a realidade econômica, não raro estão sobrepostas, e isso mostra a força do agronegócio."

Apesar da força política e de lobby, a imponência do agro no Congresso Nacional não necessariamente se converte em votos nas urnas. O Centro-Oeste, que concentra as maiores produções de grãos do Brasil, possui o menor eleitorado por região, com cerca de 11,6 milhões de eleitores. É no Centro-Oeste também onde a diferença entre Bolsonaro e Lula é uma das mais acentuadas, com 60,2% dos votos válidos na eleição de 2022 a favor do candidato do PL.

Embora acredite que a imagem de Jair com os apoiadores saia arranhada após o tarifaço, Feres não vê grande derrota para o político. O professor acredita que é preciso uma grande perda econômica em uma região para o eleitorado mudar o voto.

"A massa de eleitores, e o que conta nos eleitores é o público, a maioria deles não perde diretamente. A não ser que tenha um impacto econômico muito grande na região e que possa ser lido como uma consequência direta do que fizeram Bolsonaro e família, acho difícil ter um impacto eleitoral."

Para Prando, é possível que Lula consiga capitalizar alguns votos nesta crise comercial caso faça uma boa comunicação política, mas o caráter de polarização permanecerá inalterado para 2026.

"Mesmo que Bolsonaro não esteja presente, a presença de Lula gera uma polarização, o que significa que muitos votos dados ao Bolsonaro não são votos dados porque as pessoas se alinham imediatamente às teses bolsonaristas, mas porque tem dentro desses votos um conjunto não desprezível de antipetismo que sempre existiu e que antes, por exemplo, votava contra o PT apoiando os candidatos do PSDB."

Por Sputinik Brasil


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