Bolsonaro e ex-assessores desviaram R$ 6,8 milhões em joias, afirma PF
A Polícia Federal concluiu que foi montada uma associação criminosa no governo Jair Bolsonaro para desviar joias e presentes de alto valor recebidos pelo ex-presidente em razão do cargo.
Segundo a PF, o valor parcial dos itens dados por autoridades estrangeiras a Bolsonaro somou US$ 1.227.725,12, ou R$ 6.826.151,66. As informações constam do relatório final do inquérito que apura suspeita de apropriação indevida das joias sauditas - caso revelado pelo Estadão em março do ano passado. Ainda conforme o relatório da PF, os valores obtidos das vendas dos presentes eram convertidos em dinheiro em espécie e iam para o patrimônio pessoal de Bolsonaro.
A defesa de Bolsonaro disse que todos os presentes recebidos pelo ex-presidente seguiram "protocolo rigoroso" de tratamento e catalogação no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, sem influência do ex-mandatário.
Na quinta-feira da semana passada, o ex-presidente e 11 aliados foram indiciados no caso por crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório da PF sobre o inquérito e deu um prazo de 15 dias para que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifeste sobre a conclusão dos investigadores.
De acordo com a PF, o montante de R$ 6,8 milhões não leva em consideração bens ainda pendentes de perícia, além de esculturas douradas de um barco e uma árvore e um relógio Patek Philippe, peças "que foram desviadas do acervo público brasileiro e ainda não foram recuperadas".
Já entre os bens pendentes de perícia mercadológica estão itens dos chamados "kit de ouro branco" - um masbaha (rosário árabe) em metal, um par de abotoaduras em metal e um anel em metal - e "kit ouro rosé" - um masbaha, um par de abotoaduras e um anel, todos da marca Chopard.
Inicialmente, o relatório da PF registrava que o valor mercadológico dos bens desviados somava US$ 4.550.015,06, ou R$ 25.298.083,73. Após a retirada do sigilo, o órgão admitiu "erro material" e retificou o documento com o valor correto, R$ 6,8 milhões. A PF informou que enviaria a retificação ao Supremo. Em manifestação nas redes sociais, Bolsonaro disse esperar "outras correções" da PF sobre caso das joias.
ACERVO
O documento da PF destacou indícios de que Bolsonaro "subtraiu diretamente" as esculturas douradas e o relógio Patek Philippe e indicou possíveis formas de agir do grupo montado no governo passado que agora está sob investigação. Uma delas envolvia a subtração direta de itens, pelo então presidente da República, sem passar pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência.
O relógio Patek Philippe foi dado ao ex-presidente quando ele visitou o Bahrein, nos dias 16 e 17 de novembro de 2021. "O bem foi desviado do acervo público brasileiro, sem registro no GADH, e posteriormente foi vendido em loja especializada nos Estados Unidos em junho de 2022, sustenta a PF.
Já as esculturas douradas foram recebidas por Bolsonaro durante viagem para os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, em novembro de 2021. "Os bens foram desviados do acervo público, sem registro no GADH, e foram levados, de forma escamoteada, aos Estados Unidos, em avião presidencial. Por meio de interpostas pessoas, o grupo investigado tentou vender as esculturas em lojas especializadas em Miami, mas, como não eram constituídas por ouro maciço, conforme pensavam os investigados, não obtiveram êxito nas negociações", disse a PF.
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República, começou a pesquisar quanto valia um relógio Patek Philipe logo após de ex-chefe do Executivo ter recebido o presente, de acordo com a PF. O militar também foi indiciado na semana passada. Ele fez acordo de delação premiada.
Mensagens obtidas pela PF indicam, conforme os investigadores, que Bolsonaro tinha ciência de que as joias seriam vendidas em leilões. Em resposta a Mauro Cid, que havia enviado o link de um leilão do "kit rosé", o ex-presidente respondeu: "Selva". O jargão é usado por militares como forma de cumprimento. A PF disse que confirmou, por meio de perícia no celular de Bolsonaro, que ele acessou o site da empresa Fortuna Auction, responsável pelo leilão.
O órgão listou "bens que foram objeto dos atos de desvio e tentativa de desvio perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente". Esses materiais passaram pela perícia da PF.
A investigação aponta que a associação criminosa que seria integrada por Bolsonaro e ex-assessores usou a estrutura do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica para "legalizar" a incorporação dos bens de alto valor ao acervo privado do ex-chefe do Executivo.
VIAGEM
Ainda de acordo com a PF, Bolsonaro pode ter usado dinheiro em espécie obtido por meio da venda de joias desviadas da Presidência para bancar as despesas dele e da família na temporada de três meses que eles ficaram nos Estados Unidos, no início de 2023. O ex-presidente viajou no último dia de seu mandato.
"A análise das movimentações financeiras de Jair Bolsonaro no Brasil e nos Estados Unidos demonstra que o ex-presidente, possivelmente, não utilizou recursos financeiros depositados em suas contas bancárias para custear gastos durante sua estadia nos Estados Unidos, entre 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023, indica a PF.
"Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família", afirma o documento do órgão.
Em áudio obtido pela PF, Mauro Cid afirma que seu pai, o general Mauro Cesar Lourena Cid, estaria em posse de US$ 25 mil, que deveriam ser entregues em espécie a Bolsonaro. "Eu acho que, quanto menos movimentação em conta, melhor, né? Tem 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em cash aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente", diz Mauro Cid, em 18 de janeiro de 2023, ao coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro. Na ocasião, o ex-presidente estava nos EUA. Mauro Cesar Lourena Cid e Marcelo Câmara foram indiciados.