POLÊMICA

PL que quer armar mulheres em AL é ineficaz e perigoso, dizem especialistas

Texto diz que objetivo é empoderar e promover defesa pessoal, mas constitucionalidade é questionada
Por Adja Alvorável 13/04/2024 - 06:00

ACESSIBILIDADE

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Medida propõe um auxílio financeiro para aquisição legal de armas de fogo por mulheres vítimas de violência
Medida propõe um auxílio financeiro para aquisição legal de armas de fogo por mulheres vítimas de violência

Um projeto de lei (PL) que tramita da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE-AL) propõe a criação de um auxílio financeiro para que mulheres vítimas de violência adquiram armas de fogo. O texto causou polêmica e é tido como ineficaz e perigoso por especialistas ouvidos pelo EXTRA.

O projeto foi protocolado pelo deputado Cabo Bebeto (PL), que justificou que a aquisição de armas por mulheres vítimas de violência é de "extrema necessidade" para "sua defesa pessoal contra agressores em suas residências". O deputado também afirma que a intenção é promover, "efetivamente, o empoderamento feminino".

O que diz o texto do projeto

O texto do projeto define que o auxílio é pago após a concessão do porte ou da posse da arma de fogo pela Polícia Federal. Para se enquadrar na lei, basta que a vítima tenha o "registro da ocorrência com a descrição de fatos que ensejam a incidência da Lei Federal de número 11.340", conhecida como Lei Maria da Penha.

O PL também autoriza o Poder Executivo a criar uma campanha "Uma Mulher Armada é uma Mulher Segura" para promover a lei e estimular mulheres vítimas de violência a obter o porte de arma.

As despesas decorrentes, segundo o texto, ficarão por conta do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos das Mulheres e que o Poder Executivo deverá realizar os ajustes necessários nas leis orçamentárias para execução da lei.

Para advogado, projeto é inconstitucional

O advogado e professor de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Welton Roberto, defende que o projeto é inconstitucional porque a Assembleia Legislativa não pode legislar em matéria penal. 

"O Estado não concede porte de arma a ninguém. Logo, se não pode conceder, não pode auxiliar, já que esta atribuição é da Polícia Federal, e ela não está sujeita a esta hipótese", explica.

Para Welton, ao armar mulheres, o projeto considera que o combate a violência doméstica é uma questão de natureza privada.

"O Estado já transformou a violência doméstica em ação penal pública incondicionada, e quem tem que resolver todas as medidas protetivas para a mulher é o Estado, e não ela própria. Se não, o Estado vai dar uma arma para a mulher que é vítima de violência doméstica para ela se virar sozinha para se proteger. Não é assim que funciona".

O advogado e professor também questiona o fato de que o boletim de ocorrência ser o "comprovante" de que a violência aconteceu necessário para conceder o auxílio.

"O registro de ocorrência não quer dizer que tenha sido comprovado que ela foi vítima. O registro é a mera comunicação da possível existência de um fato que precisa ser apurado e provado", argumenta.

Welton também chama a atenção para uma possível consequência importante desse projeto lei, caso seja aprovado: o aumento no número de armas em circulação.

"O PL nem supôs, por exemplo, que as pessoas podem fazer falsas comunicações de atos de violência para poder adquirir arma", pontua.

Medida é ineficaz e põe vítimas em perigo

Dados do terceiro relatório do Instituto Sou da Paz divulgado este mês, mostram que, em 2022, 27% dos assassinatos de mulheres ocorreram em casa, e as armas de fogo foram o principal instrumento utilizado.

A flexibilização do porte de armas para mulheres vítimas de violência não apenas falha em resolver o problema da violência, mas também pode expor a vítima a mais situações de perigo. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública a presença de uma arma de fogo aumenta em cinco vezes a chance de ocorrência de homicídio ou suicídio.

Para a assistente social e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Marli Araújo, o projeto supõe que toda mulher vítima de violência estaria preparada para se defender com uma arma, o que não é verdade.

"Toda violência carrega em si a violência psicológica. É preciso considerar também que mulheres em situação de violência podem ter outras formas de reação que não necessariamente seja pegar uma arma e se defender, mas pegar uma arma e pensar em suicídio, por exemplo", afirma.

Marli destaca também mulheres são um grupo com recortes a serem considerados. Um levantamento feito pelo Instituto Igarapé mostra que, enquanto o feminicídio de mulheres brancas diminuiu 33% entre 2000 e 2020, o assassinato de mulheres pretas e pardas aumentou em 45%.

"Não se pode pensar que a forma como isso é tratado por mulheres indígenas será tratado por mulheres urbanas, por exemplo".

Para a assistente social e professora, fazer com que a sociedade entenda o que é a violência contra a mulher e fortalecer serviços já existentes são formas mais eficazes de prevenir e combater esse tipo de crime.

"Primeiro, é compreender a violência contra a mulher, entender que essa violência está numa estrutura patriarcal, misógina, sexista, dentro da formação do Estado brasileiro. Além disso, estruturar serviços que realmente funcionem: hospitais de referência, ampliação de delegacias, serviços da política de assistência social, campanhas no sentido de informar os serviços existentes nos municípios, nos estados", destaca.

Além disso, Marli defende que é preciso incentivar que mulheres vítimas de violência sejam independentes. "Pensar em projetos de lei sobre verbas para [políticas públicas] no sentido de emprego, de qualificação profissional, bolsas em universidades, bolsas em escolas. Eu acho que são coisas muito mais abrangentes do que pensar num projeto que coloca a arma na mão de mulheres".

Publicidade



Encontrou algum erro? Entre em contato