POLÊMICA
PL que quer armar mulheres em AL é ineficaz e perigoso, dizem especialistas
Texto diz que objetivo é empoderar e promover defesa pessoal, mas constitucionalidade é questionadaUm projeto de lei (PL) que tramita da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE-AL) propõe a criação de um auxílio financeiro para que mulheres vítimas de violência adquiram armas de fogo. O texto causou polêmica e é tido como ineficaz e perigoso por especialistas ouvidos pelo EXTRA.
O projeto foi protocolado pelo deputado Cabo Bebeto (PL), que justificou que a aquisição de armas por mulheres vítimas de violência é de "extrema necessidade" para "sua defesa pessoal contra agressores em suas residências". O deputado também afirma que a intenção é promover, "efetivamente, o empoderamento feminino".
O que diz o texto do projeto
O texto do projeto define que o auxílio é pago após a concessão do porte ou da posse da arma de fogo pela Polícia Federal. Para se enquadrar na lei, basta que a vítima tenha o "registro da ocorrência com a descrição de fatos que ensejam a incidência da Lei Federal de número 11.340", conhecida como Lei Maria da Penha.
O PL também autoriza o Poder Executivo a criar uma campanha "Uma Mulher Armada é uma Mulher Segura" para promover a lei e estimular mulheres vítimas de violência a obter o porte de arma.
As despesas decorrentes, segundo o texto, ficarão por conta do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos das Mulheres e que o Poder Executivo deverá realizar os ajustes necessários nas leis orçamentárias para execução da lei.
Para advogado, projeto é inconstitucional
O advogado e professor de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Welton Roberto, defende que o projeto é inconstitucional porque a Assembleia Legislativa não pode legislar em matéria penal.
"O Estado não concede porte de arma a ninguém. Logo, se não pode conceder, não pode auxiliar, já que esta atribuição é da Polícia Federal, e ela não está sujeita a esta hipótese", explica.
Para Welton, ao armar mulheres, o projeto considera que o combate a violência doméstica é uma questão de natureza privada.
"O Estado já transformou a violência doméstica em ação penal pública incondicionada, e quem tem que resolver todas as medidas protetivas para a mulher é o Estado, e não ela própria. Se não, o Estado vai dar uma arma para a mulher que é vítima de violência doméstica para ela se virar sozinha para se proteger. Não é assim que funciona".
O advogado e professor também questiona o fato de que o boletim de ocorrência ser o "comprovante" de que a violência aconteceu necessário para conceder o auxílio.
"O registro de ocorrência não quer dizer que tenha sido comprovado que ela foi vítima. O registro é a mera comunicação da possível existência de um fato que precisa ser apurado e provado", argumenta.
Welton também chama a atenção para uma possível consequência importante desse projeto lei, caso seja aprovado: o aumento no número de armas em circulação.
"O PL nem supôs, por exemplo, que as pessoas podem fazer falsas comunicações de atos de violência para poder adquirir arma", pontua.
Medida é ineficaz e põe vítimas em perigo
Dados do terceiro relatório do Instituto Sou da Paz divulgado este mês, mostram que, em 2022, 27% dos assassinatos de mulheres ocorreram em casa, e as armas de fogo foram o principal instrumento utilizado.
A flexibilização do porte de armas para mulheres vítimas de violência não apenas falha em resolver o problema da violência, mas também pode expor a vítima a mais situações de perigo. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública a presença de uma arma de fogo aumenta em cinco vezes a chance de ocorrência de homicídio ou suicídio.
Para a assistente social e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Marli Araújo, o projeto supõe que toda mulher vítima de violência estaria preparada para se defender com uma arma, o que não é verdade.
"Toda violência carrega em si a violência psicológica. É preciso considerar também que mulheres em situação de violência podem ter outras formas de reação que não necessariamente seja pegar uma arma e se defender, mas pegar uma arma e pensar em suicídio, por exemplo", afirma.
Marli destaca também mulheres são um grupo com recortes a serem considerados. Um levantamento feito pelo Instituto Igarapé mostra que, enquanto o feminicídio de mulheres brancas diminuiu 33% entre 2000 e 2020, o assassinato de mulheres pretas e pardas aumentou em 45%.
"Não se pode pensar que a forma como isso é tratado por mulheres indígenas será tratado por mulheres urbanas, por exemplo".
Para a assistente social e professora, fazer com que a sociedade entenda o que é a violência contra a mulher e fortalecer serviços já existentes são formas mais eficazes de prevenir e combater esse tipo de crime.
"Primeiro, é compreender a violência contra a mulher, entender que essa violência está numa estrutura patriarcal, misógina, sexista, dentro da formação do Estado brasileiro. Além disso, estruturar serviços que realmente funcionem: hospitais de referência, ampliação de delegacias, serviços da política de assistência social, campanhas no sentido de informar os serviços existentes nos municípios, nos estados", destaca.
Além disso, Marli defende que é preciso incentivar que mulheres vítimas de violência sejam independentes. "Pensar em projetos de lei sobre verbas para [políticas públicas] no sentido de emprego, de qualificação profissional, bolsas em universidades, bolsas em escolas. Eu acho que são coisas muito mais abrangentes do que pensar num projeto que coloca a arma na mão de mulheres".
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