SAÚDE DA MULHER
Dança e acolhimento: instituto transforma a vida de mulheres em Maceió
Projeto oferece aulas de dança, artesanato e apoio social a moradoras
Num bairro da periferia de Maceió, uma sala foi ocupada pouco a pouco por mulheres de várias idades. Algumas se conheceram ali, outras vieram indicadas por vizinhas. Algumas tinham mais de 60 anos, outras nem 40. Todas, no entanto, carregavam em comum uma sensação de solidão e rotina ociosa — muitas vezes reforçada por estruturas familiares, onde cuidar de si era visto como egoísmo.
Foi nesse cenário que nasceu o Instituto Flor de Mandacaru, localizado no bairro Cidade universitária, em Maceió. Fundado por Leane da Silva Barbosa, conhecida como "Leia", o projeto atua desde 2018 oferecendo atividades gratuitas de dança, artesanato e socialização voltadas para mulheres da região. Com apoio voluntário, o espaço se tornou uma alternativa de saúde física, bem-estar emocional e empoderamento feminino.
Iniciativas como a de Leia dialogam com um cenário preocupante no Brasil. Segundo o relatório Esgotadas: empobrecimento, a sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres, elaborado pela ONG Think Olga, 45% das brasileiras receberam diagnóstico de ansiedade, depressão ou outros transtornos mentais no contexto pós-pandemia.
A ansiedade, o transtorno mais comum no país, faz parte da rotina de 6 em cada 10 mulheres. A pesquisa, realizada com 1.078 entrevistadas de todas as regiões do país, entre 12 e 26 de maio de 2023, aponta que a falta de acesso a cuidados específicos, a insatisfação com a vida financeira e a sobrecarga doméstica são os principais gatilhos para o sofrimento psíquico.
“Eu me sinto muito privilegiada porque também sou mulher. E transformar a vida de mulheres aqui na instituição, me deixa muito feliz”, afirma. “Muitas viviam presas em casa, só com os maridos, achando que não podiam mais fazer nada por si. Hoje, elas descobriram que podem ser o que quiserem ser.”

A dança como sinônimo de terapia
O foco principal das atividades é a dança — especialmente as aulas de zumba, que lotam a sala nos dias de encontro. O espaço atrai desde jovens adultas a mulheres com mais de 70 anos. Para muitas delas, a dança representa o primeiro contato com uma atividade física regular. Mas mais do que o exercício, o que move as participantes é o reencontro com o prazer, o corpo e a coletividade.
“O que vemos aqui é uma revolução silenciosa”, relata o professor Victor Rafael Bezerra, que conduz as aulas há quatro anos. “No começo, foi muito difícil extrair essa alegria que elas têm hoje. Elas saíam de casa contra a vontade de quem as oprimia. Ver elas superando isso me mostra que o meu trabalho aqui é bem feito.”, concluiu.

Com oito anos de experiência na dança, Rafael diz que aprendeu mais com as mulheres do projeto do que em qualquer outro lugar. “Mesmo sendo o professor, eu também estou aprendendo todos os dias. Elas me ensinaram a entrar na vivência delas, a entender seus limites e potências. Não é só ensinar passos — é criar vínculo.”
As mudanças das alunas são visíveis. Muitas, segundo ele, chegaram ao projeto em quadros de depressão e hoje relatam transformações profundas no modo como vivem e se enxergam. Além da dança, o Instituto mantém um grupo de fuxico — técnica artesanal com retalhos de tecido — que também virou espaço de conversa e criação.