CRIME SOCIOAMBIENTAL
Petroquímica com painel na COP 30 afundou cinco bairros em Maceió
Braskem tem espaço no evento mais importante sobre o clima do planeta, apesar da tragédiaAo longo de novembro, o Brasil será avaliado pelo olhar clínico de governos e da sociedade civil do planeta na busca de soluções para o aquecimento global na COP 30 — evento que terá como uma das participantes a Braskem, empresa responsável pelo afundamento de cinco bairros em Maceió e que desde 2018, afeta mais de 60 mil pessoas.
A mineradora é responsável pela maior tragédia urbana do país: a destruição de cinco bairros de Maceió causada pela extração irregular, predatória e irresponsável de sal-gema, praticada desde a década de 1970, segundo o Serviço Geológico do Brasil. Ainda assim, a Braskem terá voz na COP 30, no espaço da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Durante a primeira semana da Conferência, a petroquímica que está em negociação para ser vendida repercutirá temas como bioeconomia brasileira, carbono sustentável e caminhos para a descarbonização em painéis promovidos no espaço da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A agenda da companhia seguirá nos dias seguintes, quando representantes da Braskem abordarão o papel da bioeconomia como vetor estratégico para a transição de baixo carbono e as metas da empresa para alcançar a neutralidade climática na indústria química, via soluções consideradas inovadoras.

O discurso, no entanto, contrasta com as consequências da mineração de sal-gema realizada pela empresa em Maceió.“A gente entende que existem estruturas geológicas importantes em áreas da mineração da Braskem em uma série de cavidades construídas exatamente na intersecção das estruturas e isso não deixou que a caverna ficasse íntegra, desestabilizou a caverna e causou o que a gente está vendo no Pinheiro, a ruptura”, explicou o assessor de Hidrologia e Gestão Territorial da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, Thales Queiroz Sampaio, em audiência pública realizada em 2019 para confirmar a relação dos tremores e afundamentos com a mineradora.
"Quando eu cheguei para fazer a análise do que está acontecendo, eu bati o olho na escarpa [falha geológica] do Mutange e perguntei aos técnicos [da Braskem] sobre essa falha, e eles disseram que não tinha. Eu insisti, e eles falaram que não. Ora, eu sou velho e não precisei de tantos estudos para identificar as falhas do Mutange".
O efeito Braskem provocou o afundamento do solo (subsidência) nos bairros Bebedouro, Mutange, Pinheiro, Bom Parto e parte do Farol. Cerca de 60 mil pessoas na cidade foram afetadas pelo evento, que forçou a evacuação e o abandono dos bairros. A tragédia resultou na perda de residências, prédios de negócios e do patrimônio público e na desestruturação da vida de milhares de famílias.

Estudos afirmam que outras regiões de Maceió, como Flexal de Cima, Flexal de Baixo e Marquês de Abrantes, também apresentam danos por subsidência, segundo informações divulgadas pela Defensoria Pública de Alagoas. Esses locais não tiveram reconhecidos pela Braskem nem pelo poder público a situação de risco.
O desastre ambiental e socioeconômico causado pela Braskem mantém seus efeitos imensuráveis em Maceió e estendem a municípios vizinhos. No entanto, pouco tem se falado sobre o financiamento da COP 30, que é sustentado pelo tripé de empresas do mesmo ramo ou parecidos.
Outras participações ativas na COP 30
No caso da COP 30, os principais financiadores privados são dos setores de mineração, agronegócio e energias renováveis. A mineradora Braskem chegou a cogitar apoiar financeiramente o evento, mas desistiu de patrocinar a Conferência, que está sendo financiada por empresas como a Vale, a JBS, as TPG e Brookfield, gigantes no ramo de energias renováveis. Em comum, todas as empresas têm histórico de violações socioambientais graves.
Esse tipo de participação e patrocínio à COP 30, segundo pesquisadores em direito socioambiental, como a advogada e especialista Melka Barros explica no site O ECO, gera debates sobre greenwashing corporativo, uma estratégia de marketing enganosa onde empresas criam uma imagem de sustentabilidade e responsabilidade ambiental que não condiz com suas práticas reais.
O mais grave é que o lobby promovido por esses grandes grupos econômicos pode influenciar as tomadas de decisões e os compromissos globais formalizados através dos acordos finais e documentos da COP 30. “É quando o foco se desloca da justiça climática para a rentabilidade de mercados”.
O evento de grande porte deve levar até Belém do Pará 40 mil pessoas de 198 países entre os dias 10 e 21 de novembro para discussão sobre problemas climáticos. A capital do Pará está no centro do mundo e se transformou em um grande canteiro de obras para receber a COP 30. O plano de trabalho do evento internacional envolveu R$478,3 milhões da Organização dos Estados Ibero-Americanas (OEI) para realização de ações administrativas, organizacionais, culturais, educacionais, científicas e técnico-operacionais.
Entre as 35, a 18 colapsou
Em 10 de dezembro de 2023, o que era alertado por geólogos e engenheiros aconteceu: o solo sob de uma, das 35 minas da Braskem, em Maceió, ruiu. A mina 18 entrou em colapso e abriu uma cratera sob a lagoa Mundaú que chegou a comportar um volume de água equivalente a 11 piscinas olímpicas.
“Às 13h15 deste domingo a mina 18 sofreu um rompimento, que pôde ser percebido num trecho da Lagoa Mundaú, bairro do Mutange", informou a Defesa Civil à época.
O colapso já era esperado e, alguns dias antes, no dia 29 de novembro, a prefeitura de Maceió chegoou a decretar situação de emergência por risco iminente de colapso. Houve cinco abalos sísmicos na área no mês anterior, segundo o governo alagoano.
Desde o encerramento da extração de sal-gema em Maceió, em maio de 2019, a Braskem afirma que vem cumprindo um plano de fechamento das cavidades, aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), com foco na estabilização do solo e na segurança da região afetada.
Do total de cavidades, 12 já foram preenchidas, sendo seis por enchimento natural e seis com areia. Outras duas atingiram o limite técnico para recebimento de areia. Segundo o balanço mais recente da Braskem, cinco cavidades estão em fase de preenchimento, cinco em planejamento e outras 11 permanecem pressurizadas, sendo monitoradas por equipamentos de alta precisão.
Saída estratégica
Depois da tragédia que provocou em Maceió, a fábrica de cloro-soda da Braskem localizada no bairro Pontal da Barra, em Maceió, teve iniciado o desmonte das instalações industriais. A desmontagem começou pela separação do cobre, níquel e aço carbono presentes nas três casas de células, equipamentos mais importantes do parque industrial da mineradora.
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Com o encerramento definitivo da produção de cloro e soda, a Braskem optou por suprir o Polo de Marechal Deodoro com dicloretano importado dos Estados Unidos e China em substituição ao sal-gema e ao sal do Chile. Com a mudança, a fábrica do Pontal será usada como depósito do produto importado, e mesmo com o desmonte das instalações industriais a área não será liberada para ocupação
humana pelos próximos 10 anos por conta da contaminação do solo e do lençol freático decorrente de vazamentos de dicloretano ao longo de décadas.
Buscando Justiça
Em 2020, vítimas da Braskem buscaram o escritório internacional Pogust Goodhead e entraram com ação contra a empresa mineradora e algumas de suas subsidiárias na Holanda. O objetivo era conseguir indenizações justas para cobrir danos individuais e coletivos, materiais e morais por precisarem sair compulsoriamente de suas casas, deixando para trás toda história de vida construída nos bairros que foram evacuados.
Nesta semana, a mineradora Braskem S.A acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com pedido de providências contra o escritório sobe acusação da prática de litigância abusiva. A empresa afirmava que escritório estaria fazendo uso distorcido e desleal do sistema judiciário para obter vantagens indevidas.
A litigância abusiva implica proposição de ações fraudulentas, artificiais ou fracionadas, além do uso de estratégias irregulares para procrastinar a resolução de conflitos na Justiça. Era uma nova tentativa da Braskem contra a possibilidade de expansão e revisão do caso considerado a maior tragédia socioeconômica urbana do país. O CNJ determinou o arquivamento do processo após entender ser improcedente.



