dosimetria
Lira volta a ser cortejado enquanto Motta enfrenta desgaste na Câmara
Presidente da Casa vê ex-chefe Arthur Lira ser procurado por governistas para intervir
Em meio a uma escalada de tensão na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), atravessa seu momento mais delicado no comando do plenário. Incapaz de conter a hostilidade acumulada nos últimos dias, Motta vem sofrendo críticas de aliados e opositores pela condução tumultuada das sessões — enquanto seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), voltou a ser reverenciado por parlamentares e acionado como fiador político em plena votação da dosimetria.
A cena mais simbólica ocorreu no início da noite de terça-feira, quando Lira entrou no plenário e foi imediatamente cercado por deputados que o saudaram como “o presidente que colocaria ordem na Casa”. A aparição, rara desde que deixou a Mesa, coincidiu com o momento em que Motta era questionado por abuso de autoridade após ordenar a retirada forçada do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), episódio que resultou em corte da transmissão da TV Câmara e expulsão da imprensa da galeria — um dano imediato à sua imagem, segundo aliados.
Governistas como José Guimarães (PT-CE) e Alencar Santana (PT-SP) passaram parte da noite buscando Lira pelos corredores para pedir que ele convencesse Motta a adiar a votação da dosimetria. Houve telefonemas, recados e tentativas de interceptá-lo entre o plenário e as salas de liderança. Lira ouviu a todos sem se comprometer, como costuma fazer — gesto interpretado como sinal político suficiente para animar a base.
Deputados compararam a falta de articulação de Motta à postura de seu antecessor, que, segundo eles, sempre informava previamente sobre movimentos sensíveis da pauta. A leitura era de que o atual presidente, pressionado por bolsonaristas a avançar com a dosimetria, se mostrava menos aberto ao diálogo. O simbolismo se ampliou quando Motta deixou a Mesa para conversar com Guimarães logo após o pedido de interlocução feito a Lira, reforçando a percepção de tutela informal do ex-presidente. Apesar das pressões, a sessão não foi adiada. A dosimetria acabou aprovada — assim como o projeto do devedor contumaz, prioridade do governo, que acompanhou a votação com apreensão.
A influência de Lira nos bastidores não é novidade. Ele já havia sido peça-chave na articulação que destravou a votação do Imposto de Renda e também foi procurado quando bolsonaristas ocuparam a Mesa Diretora, durante a tentativa de forçar a votação da anistia e da PEC da Blindagem. Mesmo fora do cargo, mantém uma rede ativa de aliados intermediários, diálogo diário com líderes e trânsito fluido entre governo e oposição — estrutura que Motta ainda não conseguiu consolidar.
Há duas semanas, em meio ao agravamento da crise entre Executivo e Legislativo, Lira esteve na cerimônia de sanção do IR no Planalto, onde recebeu elogios e foi tratado como interlocutor privilegiado no Congresso. Na terça-feira, esse papel informal de árbitro voltou a se impor. Em determinado momento, deputados disputavam espaço para ouvi-lo — alguns, como Nikolas Ferreira (PL-MG), buscaram até conselhos eleitorais.
Lira deixou o plenário discretamente por volta das 23h30, antes da votação final. A aprovação da dosimetria na madrugada selou um duplo revés: o governo não conseguiu adiar a análise do texto, e Hugo Motta encerrou o dia mais fragilizado do que começou.



