colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

A dívida da Braskem: O que alagoas precisa saber

28/05/2023 - 06:00

ACESSIBILIDADE

Afrânio Bastos
Sede da Braskem, localizada no bairro do Pontal da Barra, em Maceió
Sede da Braskem, localizada no bairro do Pontal da Barra, em Maceió

Se existe um tema em Alagoas que causa aversão na comunidade alagoana, este é a exploração do sal-gema de Maceió. Especialmente porque recentemente¹ ela descobriu que 50 anos depois, a exploração do nosso principal mineral não passou de uma grande quimera alimentada por muita incompetência, mentiras, omissões, anomias, prevaricações e corrupção que terminaram por levar ao megadesastre ambiental de 5 anos atrás que transfigurou partes importantes de Maceió e atingiu a 14% da população de Maceió.

Mas vamos por partes, do começo. A partir da lorota contada pelos empresários que iriam explorar o sal-gema, de que o único lugar para localizar a planta industrial da então Salgema S.A. seria na outrora paradisíaca praia do Pontal da Barra, em plena área urbana da Capital de Alagoas (o que até hoje ameaça potencialmente a saúde e a vida de 20% da nossa população);

E foi seguida pelo festival de erros técnicos (agora se sabe) cometidos na escolha do local para a mineração do sal-gema (em cima de uma falha geológica) e por erros colossais no dimensionamento e construção das minas para exploração do sal-gema a 2 mil metros de profundidade. Que, décadas depois, resultaram no desabamento (um bom termo não técnico seria se desminlinguiram) das minas o que mais tarde provocou o megadesastre de Maceió;

E também passou pela incrível aventura burlesca de se criar um polo cloroquímico em Maceió quando, há anos, a Bahia (com o apoio do governo federal, já construía o polo cloroquímico do Nordeste). E lá se foi a promessa quimérica de que Alagoas em duas décadas (à época) sediaria centenas de indústrias de quarta geração que orbitariam em torno da Salgema S.A e de outras empresas de segunda e terceira geração que para aqui viriam. Seria a redenção econômica e social do estado. Incrível como uma marmota dessas foi durante décadas o principal “sonho” vendido para o futuro de Alagoas!

Apenas como adendo jocoso a essa epopeia ao inverso, quando o tal Polo começou a fazer água por todos os poros, a turma teve a genial ideia de implantar no lugar do polo cloroquímico um polo petroquímico. Depois de muita discussão e dinheiro público gasto, “descobriram” que Alagoas não teria petróleo para abastecer a refinaria... Parece roteiro de filme pastelão, mas não. Aconteceu de verdade. A aventura em torno dos dois polos que nunca foram de verdade afetou diretamente a vida e o futuro do estado e de milhões de alagoanos. E ninguém foi cobrado por tamanha incapacidade.

Durante o quase meio século de exploração do nosso principal mineral, a Salgema S.A, depois brevemente a Trikem e nos últimos 20 anos a Braskem “deitaram e rolaram” em Alagoas, sempre com o argumento capcioso de que sua atividade representaria fatia importante do PIB do estado. Uma mentira do tamanho da incompetência, subserviência, anomia e prevaricação das autoridades em relação àquelas empresas: a Braskem, por exemplo, representa apenas 0,8% do raquítico PIB de Alagoas!

O “discurso” das autoridades de 50 anos atrás preconizava corretamente sair da dependência da cana de açúcar (que, mesmo em decadência, continua mandando por aqui). Mas a partir daí foi que a coisa degringolou: a solução via Polo Cloroquímico de Alagoas, foi uma barca furada que jamais se sustentou de pé. E nessa estória, Alagoas perdeu o bonde da história. Continuamos sem planos, projetos, programas para sair do atoleiro que nos vimos metidos ao longo dos últimos 50 anos. Mas não precisamos continuar errando. E a questão da dívida da Braskem em Alagoas é excelente oportunidade para começarmos a provar isso. Vamos dar um salto e chegar até ela?

Nos últimos meses a noticia de que a Braskem (uma empresa do grupo NOVONOR, a antiga Odebrecht, nunca custa lembrar) estaria novamente em negociações com novos investidores interessados na aquisição do seu controle acionário, se tornou um dos temas mais importantes no mercado brasileiro, entre analistas especializados e no governo federal. Afinal, trata-se de uma das maiores empresas do país, com faturamento na casa dos 100 bilhões de reais.

E por aqui, motivo de preocupação. A informação caiu como uma bomba no colo dos credores da empresa em Alagoas. E isso tem sua razão de ser.Até agora, passados 5 anos do desastre, a Braskem ainda não resolveu sequer o problema dos 60 mil ex-moradores expulsos de suas casas e de parte das empresas que tiveram que fechar as portas, situadas na área direta (vermelha) do megadesastre. Como não resolveu a questão dos 5 mil moradores restantes dos Flexais, e nem o problema dos proprietários dos imóveis situados no entorno do megadesastre cujos patrimônios foram violentamente desvalorizados. Tampouco negociou seu passivo com as prefeituras da região metropolitana de Maceió, e muito menos com o Estado de Alagoas. Todos, vítimas da empresa.

Excetuando a prefeitura de Maceió que vem realizando tratativas não transparentes às escondidas (alô órgãos de controle do estado e federais em Alagoas) com a Braskem – a dívida estimada da empresa com os demais atores alcança números gigantes, que tornam Alagoas, o maior credor da Braskem com um montante de cerca de 20 bilhões de reais.

No momento, os maiores interessados na empresa são um fundo de private equity denominado Apolo, conhecido no mercado como um “fundo abutre” (pega empresas promissoras, mas com problemas e promovem violentos movimentos de “enxugamento” das mesmas, dando-lhes o lustro desejado e vendem com altíssimos lucros) um forte sinal de problemas à frente para os credores de Alagoas, se a dívida da Braskem não for equacionada antes da sua venda. Nesta transação, ele está associado ao fundo ADNOCS de Abu Dabi, um dos maiores do mundo.

A proposta dos dois fundos associados foi encaminhada diretamente aos bancos credores da Braskem, os verdadeiros donos da empresa, uma vez que a empresa não liquidou sua dívida com os bancos e apenas vem rolando-a, eles obtiveram na justiça autorização para tomar posse das ações da companhia dadas em garantia na operação. Não o fizeram. Ainda.

As instituições financeiras repassaram a oferta dos fundos para que Braskem e Petrobrás as duas maiores acionistas da Braskem analisassem. A proposta (no final, cerca de 24 reais por ação), não foi aceita pelos sócios majoritários. Recente, os dois fundos encaminharam nova proposta (cujo teor ainda não é de conhecimento público) desta feita direto à Petrobras, que ficou de analisar.

Outros interessados na empresa aguardam o desfecho das tratativas da Braskem com os dois fundos para eventualmente voltarem à carga. Dentre eles, pode-se citar a JBR e a UNIPAR. Ambas (diferente dos fundos) topam manter a Petrobrás como sócia. A UNIPAR em particular, quer apenas adquirir a parte da petroquímica nacional (situada em SP), uma compra rateada com poucas possibilidades de ocorrer no momento.

Há uma terceira opção no mercado. A própria Petrobrás pode vir a se interessar em adquirir as ações da NOVONOR na Braskem, e se tornar dona única da empresa. O presidente da maior empresa brasileira já declarou que o tema está em aberto na companhia. É bom lembrar que um movimento nessa direção atenderia ao desejo do presidente da república de fechar as portas para a privatização de empresas públicas e de estatizar empresas estratégicas na visão do novo governo...

E uma quarta. Os bancos (que estão pressionando muito a empresa para vender) podem na eventualidade de nenhum negócio se concretizar, vender de forma pulverizada as ações da Braskem no mercado. O que transformaria a empresa em uma “corporation”, empresa sem acionistas majoritários, vez que as ações estariam diluídas entre uma miríade de investidores. Neste caso, ela passa a ser dirigida por profissionais que prestam contas a um novo conselho (provavelmente composto pelos acionistas com mais ações ou pessoas por eles indicadas).

Dito isso e explicado em que pé as coisas estão, os alagoanos também precisam saber que ao longo das tratativas que estão acontecendo para a venda da empresa, Alagoas está ficando de fora das mesmas. O que certamente vai acarretar ainda maiores problemas futuros.

Recente, o Senador Renan Calheiros tem operado junto ao governo federal e alguns dos stackeholders envolvidos nas tratativas de venda da empresa, para sustar as negociações, até que a dívida da Braskem com os diversos atores em Alagoas esteja equacionada. Tem alcançado resultados promissores.

Mas é preciso que isso se faça de forma oficial - via delegação do governo alagoano ao parlamentar, ou a outro (s). A forma para Alagoas, a maior credora da Braskem (maior até que a dívida da empresa com os bancos) se faça presente formalmente nas tratativas de venda representando todos os credores locais da empresa e encaminhando soluções para a quitação da dívida daquela multinacional em Alagoas.

Em paralelo, e com urgência máxima, é absolutamente imprescindível realizar o levantamento efetivo das dívidas da empresa em Alagoas (com o governo do estado, municípios da região metropolitana, ex-moradores da zona vermelha, moradores dos Flexais e proprietários dos imóveis do entorno do megadesastre), sem o que, qualquer negociação com a Braskem certamente trará prejuízos aos credores.

Se trata de trabalho técnico especializado capaz de trazer a público os seus verdadeiros números, abastecer de informações os alagoanos e apoiar o representante de Alagoas nas negociações com dados, informes e análises relevantes pertinentes ao caso. É isso, ou vamos correr o risco de “continuarmos no escuro” numa negociação de tamanha monta.

O negociador também vai demandar assessoramento jurídico qualificado de alta expertise em tratativas desse porte sob pena de “comer poeira” ao longo das negociações, uma vez que os demais participantes estarão apoiados em suporte jurídico dos melhores escritórios do país.

Estamos num momento divisor: ou Alagoas se organiza para defender os direitos de todos os credores alagoanos ou, quase certamente, vamos ficar para “depois” da venda da Braskem.

E com a chegada dos novos donos voltaremos a estaca zero: começar tudo de novo. E lá se irão mais uns 20 anos de negociações desta feita na justiça, uma vez que não vejo espaço no curto ou médio prazo para os novos donos se disporem de fato a pagar a dívida de Alagoas...

A questão está dada. Hora de unir, gente. De fazer as coisas com competência técnica, profissional e negocial.

¹ Após o lançamento do livro “Rasgando a Cortina de Silêncios: O Lado B da exploração do sal-gema de Maceió”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


Encontrou algum erro? Entre em contato