colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Mais uma faca nas entranhas de Maceió

23/07/2023 - 07:31

ACESSIBILIDADE

Afrânio Bastos
Área destruída pela mineração da Braskem em Maceió
Área destruída pela mineração da Braskem em Maceió

Não bastasse o sofrimento atroz que Maceió e sua gente vêm passando nos últimos cinco anos por conta da criminosa mineração da Braskem em nosso subsolo - um caso até agora longe de qualquer solução - na última sexta-feira (21) a prefeitura de Maceió e a Braskem – com estardalhaço e picardia - comunicaram a celebração de um “acordo” (não seria melhor “acerto”?) entre a empresa e a municipalidade da Capital que deixou estupefata Alagoas.

Não apenas pelos valores irrisórios do mesmo, mas também pela informação da Braskem que já havia adiantado 700 milhões de reais (e agora o quer de volta sob a forma de confisco de parte da receita do acordo) à prefeitura, grana que ninguém sabe onde foi parar.

Da mesma forma ficaram pasmados todos os afetados pelo megadesastre que em momento algum foram envolvidos nas tratativas em relação aos seus problemas, numa demonstração inequívoca de como essa gestão municipal despreza as 170 mil pessoas (quase 20% da população) que continua a sofrer na pele as agruras do abandono por suas autoridades.

A bem da verdade, como “prêmio de consolação”, no acordo foi inclusa uma cláusula escrota com a promessa de criação pela prefeitura de Maceió de uma tal de “assessoria jurídica” para os afetados. Como se esses precisassem disso. O que eles precisam e não terão é a anulação do malfadado acordo Braskem-MPF que fez daquela empresa a dona da região que ela destruiu e a justiça federal, guardiã do acordo que impede qualquer iniciativa dos afetados.

Voltando: o acordo Prefeitura-Braskem é um acinte aos alagoanos e aos maceioenses, e um “tapa na cara” dos afetados pelo megadesastre provocado pela Braskem, solenemente ignorados pela gestão municipal.

Outra coisa que chamou a atenção foi a sua tramitação a jato na justiça, que o homologou no mesmo dia em que foi submetido à análise do ministério público estadual, do ministério público federal e na terceira vara da justiça federal em Alagoas. E haja eficiência!

Na linha do ocorrido com o tal acordo MPF-Braskem foi assinado no apagar das luzes do último dia útil de 2021 e homologado nas primeiras horas do primeiro dia útil pós-final de ano por um juiz federal substituto.

Isso me recorda o episódio em que certo desembargador de Alagoas - já falecido - assinou em pouco mais de 15 minutos, a maçaroca de documentos com mais de 10 mil páginas do acordo dos usineiros com o estado de Alagoas. Que quebrou de vez o estado. Perguntado em rede nacional sobre o seu feito, respondeu que fez uma leitura dinâmica do documento. Outro escárnio com os alagoanos.

Mas o “acordo” Prefeitura-Braskem tem outras “pérolas”. Seu montante de 1,7 bilhão de reais, uma afronta ao bom senso de todos e uma zombaria com os alagoanos, além de reduzido e aviltante eis que traz em seu bojo mais uma “novidade”: a empresa afirma que já gastou – sem explicar como, porque, com quem e menos ainda no que, 700 milhões de reais e que vai descontar da merreca que estará pagando a Maceió. Isso tem forte cheiro de podridão...

A Braskem tem a obrigação de explicar, e os ministérios públicos estadual e federal, tão ágeis em aprovar o “acordo”, precisam se explicar em relação a esse absurdo. E no caso do MPF que se autodenominou no acordo Braskem/MPF gestor do mesmo, precisa cobrar – e dar publicidade - da empresa e da prefeitura para onde foi e como foram gastos os 700 milhões de reais. É o mínimo a fazer.

No caso da quantia cobrada pela Braskem, pode-se – dentre outras opções – pensar em duas hipóteses: a empresa tá querendo dar o que no popular do Nordeste se chama de “migué” e enfiar na conta dos alagoanos a grana que ela está gastando para realizar obras e serviços para “tapar as minas” que se desminlinguiram e causaram o afundamento e a destruição de 5 bairros, 17 mil imóveis e afetou a 170 mil pessoas de forma direta e indireta, além de outras despesas com atividades acessórias (aliás, os senhores sabiam que até hoje – 5 anos após o megadesastre – ainda há minas que a Braskem não sabe onde foram parar?)

Pois é. Muita coisa a ser esclarecida ainda sobre o megadesastre. É bom que se diga que esses serviços são de responsabilidade única da Braskem.

A outra opção para o destino dos 700 milhões que ela argumentou ter gasto em Maceió, pode ter destinos menos nobres e republicanos. O fato é que não há nada que justifique à Prefeitura ter torrado – sem licitação e sem publicizar os gastos e investimentos correspondentes ao valor que a empresa quer descontar da merreca que acordou com Maceió.

Nos dois casos. O MPF como gestor do malfadado acordo precisa esclarecer para Alagoas o que está havendo.

A prefeitura de Maceió, que vem conduzindo as tratativas com a Braskem por detrás de uma espessa cortina de silêncios, tem a obrigação de rasgá-la e apresentar, conforme prenuncia a Lei, o seu plano de aplicação para os micros recursos que irão receber da Braskem e com eles sanar todos os problemas que aquela empresa legou a nossa Capital, um passivo que envolve enormes perdas materiais e imateriais/conexas, alto volume de danos morais e de danos fiscais, para ficar nos principais.

Pensei em listar alguns dos magnos problemas legados a Maceió pela Braskem. Não farei isso. Os maceioenses sentem na pele diária e cotidianamente todos eles. Mas vou aguardar ansioso que a prefeitura os liste, para então indagá-la de todas as obras e serviços que certamente – pela exiguidade dos recursos – ficarão de fora do seu orçamento. Deixando Maceió desnuda e estuprada pela Braskem e em solução para os gigantes problemas urbanos que o megadesastre provocou.

De fora não dá estimar o que seria o montante devido pela empresa pelos estragos causados a Maceió e sua a gente. Mas, à luz de estimativas não oficiais que circulam na cidade e na própria prefeitura, pode-se dizer que aqueles 1,7 bilhão de reais deveriam ser multiplicados no mínimo por 3 ou 4.

Esse acordo não poderia ser fechado por irrisórios 1,7 bilhão de reais. A Braskem tá na dela de especular para baixo os valores, mas a gestão municipal jamais poderia ter assinado um acordo em tudo nocivo a Maceió.

Com a palavra os ministérios públicos estaduais e federais, as controladorias da União e do Estado, as defensorias federal e estadual e as corregedorias destes órgãos.

Ou vai ficar por isso mesmo?


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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