O ditador Floriano, segundo Lima Barreto

Sentado em seu trono presidencial, o marechal quase não falava. A cabeça movendo, um monossílabo ou o agitar de sua mão mole eram encarados pelos oficiais como gestos de um grande estadista, sinais de força e sinceridade. Por certo, um Bismarck, um
Napoleão Bonaparte. Um mito!
— Energia, marechal!, gritava um, mais jovial.
Estava cercado pela falange sagrada do Brasil: os cadetes da Escola Militar, com todos os seus direitos e privilégios, também para se aproximar do ditador. Havia neles uns trapos de Positivismo, transformando Floriano e a República numa fé, num feitiço, onde oferendas e crimes eram depositados um altar para honra e glória de suas qualidades intelectuais.
Veja que coisa: ainda somos mendigos de heróis e grandes homens.
Em verdade, Floriano tinha mesmo uma imagem vulgar e desoladora. Não tinha estas qualidades intelectuais. Nem ânimo. Tinha sim uma mórbida preguiça ao trabalho.
“O bigode caído; o lábio inferior pendente e mole a que se agarrava uma grande ‘mosca’; os traços flácidos e grosseiros; não havia nem o desenho do queixo ou olhar que fosse próprio, que revelasse algum dote superior. Era um olhar mortiço, redondo, pobre de expressões, a não ser de tristeza que não lhe era individual, mas nativa, de raça; e todo ele era gelatinoso — parecia não ter nervos”.
A política lhe serviu para completar sua carreira militar medíocre. Veja: quando era diretor do Arsenal de Pernambuco, nem energia tinha para assinar o expediente; e durante o tempo em que foi ministro da Guerra, passava meses e meses sem lá ir, deixando tudo por assinar, até nomear um assessor para rubricar suas ordens. Tinha preguiça de pensar e de agir. Vinha daí seu mutismo, os “sinais” de grandeza vistos pelos oficiais e espalhavam popularidade.
Andava de chinelos e isso deu-lhe aquele aspecto de calma superior, calma de grande homem de Estado ou de guerreiro extraordinário.
A sua concepção de governo não era o despotismo, nem a democracia, nem a aristocracia; era a de uma tirania doméstica. O bebê portou-se mal? castiga-se. Levada a coisa ao grande, o portar-se mal era fazer-lhe oposição, ter opiniões contrárias às suas e o castigo não era mais palmadas, porém, prisão e morte. Não há dinheiro no Tesouro? Ponham-se as notas recolhidas em circulação, assim como se faz em casa quando chegam visitas
e a sopa é pouca: põe-se mais água.
A educação militar e a fraca cultura realçaram essa concepção perversa, de desprezo pela natureza humana.
Os olhos místicos que o cercavam, porém, viam mesmo um homem que não negava esperanças. A sua ação poderosa havia de se fazer sentir pelos oito milhões de quilômetros quadrados do Brasil, levando-lhes estradas, segurança, proteção aos fracos, assegurando o trabalho e promovendo a riqueza.
O marechal de ferro era mesmo imbroxável.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA