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Odilon Rios

Jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

O brigadeiro que enfrentou os militares e trouxe Jango ao Brasil

22/07/2023 - 06:00
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Divulgação
Mello Bastos em 1964, ao ser exilado para o Uruguai
Mello Bastos em 1964, ao ser exilado para o Uruguai

O brigadeiro da Força Aérea Brasileira Paulo de Mello Bastos (São José da Lage/AL, 1918-2019) é o curioso caso de um revolucionário que veio de uma raiz autoritária. Mello Bastos era filho do major Sebastião de Mello Bastos (1892-1965) e Honorina de Queiroz Portella (1891-1972). O major não era um título real, mas uma expressão do poder patriarcal conhecido por frases como “sabe com quem está falando?” ou “sou o dono da vida e da morte”.

Desde muito jovem, Paulo foi aviador. Na cidade pernambucana de Cupira, onde seu pai exercia o domínio, ele ordenou a construção de um campo de pouso para que o filho pudesse pousar um avião, atraindo a atenção de todos. Cupira parou e as pessoas correram para ver aquele monstro de metal surgindo brilhante, descendo dos céus.

A vida levaria Paulo, posteriormente chamado Mello Bastos, a lugares distantes. Ele era um leitor ávido de história e passou a ser visto na carreira militar como comunista. "Naqueles tempos, o militar que defendesse qualquer ponto de vista que constasse na programação do Partido Comunista estava condenado. Era um leproso", declarou em depoimento.

Mello Bastos já era brigadeiro da FAB, piloto e comandante da Varig, além de dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que defendia questões trabalhistas como o direito de greve, respeito aos direitos dos trabalhadores, nacionalização de empresas estrangeiras e a restauração do presidencialismo no país em 1963. No entanto, o país estava prestes a enfrentar o golpe de 1964.

Foi ele quem ajudou a trazer, ao Brasil, o presidente João Goulart, o Jango. Vinha tomar posse no lugar de Jânio Quadros, o Jânio, que havia renunciado. "Jânio era inteligente, mas mau caráter. Armou uma visita de Jango à China comunista e renunciou", disse.

Jango voltava ao Brasil, estava em Paris. Segundo o brigadeiro, de Paris, o presidente voou para Nova York. Em vez de pousar no Rio de Janeiro, fez o caminho pelo Oceano Pacífico e aterrissou em Buenos Aires, na Argentina.

O presidente tinha que voltar ao Brasil para tomar posse no Palácio do Planalto. Os militares preparavam o golpe. Mello Bastos se dispôs a trazer Jango. Recebeu o aviso: caças se preparavam para derrubar o avião.

Traçou um plano ainda mais ousado que a sanha dos militares golpistas: sabendo que os caças enfrentariam dificuldades de voar e atirar muito próximo ao solo, decidiu que pilotaria o avião com Jango a 300 pés (91 metros do solo). A loucura funcionou, e os dois pousaram com segurança em Porto Alegre. Jango assumiu a Presidência da República.

Admirado pelos subordinados, Mello Bastos era tratado como um problema pela Varig, que não poderia demiti-lo: além de dirigente sindical, tinha uma ficha de serviços impecável, e seu nome tinha peso entre os pares. Mesmo assim, em 25 de maio de 1963, a empresa decidiu pelo desligamento. Em solidariedade, houve uma greve geral de várias categorias do setor de transportes. Essa greve entrou para a história e ficou conhecida como a greve Mello Bastos.

O ministro do Trabalho Almiro Afonso disse que a Varig desrespeitava leis sindicais ao demitir o brigadeiro. O presidente João Goulart parecia não querer confusão: discutiu com o ministro, e Almiro pediu demissão. Jango recusou a saída e ligou para o presidente da Varig, Ruben Berta.

Paulo Francis, em artigo publicado no Última Hora, elogiou a postura de Mello Bastos: "Quero expressar a minha saudação a Mello Bastos, líder sindical autêntico, antipelego por excelência. É preciso lembrar quem ele é: piloto de linhas internacionais, com ordenado que deve exceder os 400 mil cruzeiros, uma folha de serviços impecável e estabilidade na casa. Mello Bastos não se acomodou: sua luta pela melhoria de condições dos seus companheiros, por rever a estrutura da aviação comercial, sua denúncia fundamentada da insegurança de voo tem sido intransigente e contundente, colocando em perigo a confortável carreira que poderia exercer. É de gente como Mello Bastos, em todos os setores, que este país precisa para domesticar os gorilas e dar ao povo um nível civilizado de vida".

Ainda seria exilado pela ditadura, morando no Uruguai. A filha também teve o mesmo destino: morou no Chile. A ditadura caiu, voltou ao Brasil. Morreu aos 101 anos, no Rio.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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