colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

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Maceió chorou sozinha

06/03/2022 - 10:41

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Afrânio Bastos
Imagem da região afetada pela mineração de sal-gema da Braskem
Imagem da região afetada pela mineração de sal-gema da Braskem

Estamos na quaresma, época de penitência. No embalo, a Braskem poderia genuflectir-se perante Maceió que a acolheu de braços abertos e que dela, além de nada receber, ainda foi “recompensada” com o megadesastre que destroçou 4 bairros da sua região Noroeste causando sofrimento, angústia, desesperança e medo atrozes a 55 mil dos seus filhos; Além de vir sendo obrigada a conviver - dentro da cidade - com uma indústria química de grande porte com mais de 40 anos de operação, uma ameaça direta a vida dos maceioenses, em especial às 150 mil pessoas que moram, trabalham ou estudam no seu perímetro.

Mas não é só a empresa que precisa refletir e “se arrepender de seus pecados”. Também faz parte do rol, todas as autoridades e governantes de Maceió, de Alagoas e do governo federal que, de forma direta ou indireta, estiveram vinculadas às questões de controle e fiscalização da empresa e da exploração da nossa principal riqueza mineral, o sal-gema. Anomia, prevaricação e corrupção, são “pecados” cometidos que precisam ser redimidos.

No mesmo “pacote” penitencial está a academia, organismos como OAB, CREA, CRQ (química) e outros pela “equidistância segura” que têm mantido do megadesastre ambiental e/ou até mesmo por atitudes que beiram a do avestruz quando em perigo, evitando posicionamentos críticos à autora dos problemas causados a Maceió, logo, portanto, contra a comunidade que lhes assegura na vida profissional os seus ganhos. É longa a lista de anômicos: passou da hora de se penitenciarem da ausência planejada e de assumir posições claras em prol e em defesa de Maceió, a terra que a todos acolhe, abriga e sustenta.

Na última semana – sem que ninguém atentasse para isso – Maceió chorou sozinha por ocasião dos 4 anos do megadesastre ambiental, o maior do mundo em área urbana provocado por uma mineradora. E até agora, sem solução. Nem das indenizações das pessoas e empresas atingidas e, muito menos do que é devido a Maceió pela violência material e imaterial sofrida.

Ironia das ironias: naquela semana, a cidade quase “ganhou” da Braskem outro “presente de grego”. Não fosse a cerrada campanha de denúncias encetadas pela sociedade civil em relação às manobras da empresa e de uma sua contratada para manipular o que elas estavam denominando de “escuta pública” (sic!) e, ao movimento da Prefeitura de Maceió que, afinal, com atraso de 4 anos, resolveu se fazer presente de forma transparente manifestando-se pela suspensão do tal encontro. Hoje teríamos por aqui mais um problemão para resolver.

O tal “plano sociourbanístico” um mostrengo que foi denunciado pela prefeitura pela rasa qualidade técnica do documento que seria apresentado para a cidade engolir “goela abaixo”, é fruto do acordo de 30/12/2020 que dá deve ser visto com total reserva pela Prefeitura, OAB e demais entidades da sociedade organizada de Maceió vez que, é clara a sua intromissão – nas atribuições da municipalidade. Que não é parte do acordo.

Na verdade, o acordo celebrado pela empresa com a justiça em Alagoas precisa ser revisto, ele invade prerrogativas e competências da prefeitura de Maceió, embora “magnanimamente” deixe em aberto a eventual adesão da mesma (e de outros) desde que, nos termos já definidos pelas partes do acordo (Braskem e justiça). Ou seja, legitimem do que não participaram.

A Braskem precisa entender que o tempo de desmandos e obediência canina de autoridades e órgãos locais às diatribes da empresa em Maceió se acabou a partir do dia em que a comunidade – exaurida de tanto esperar por uma atitude digna e respeitosa das suas autoridades – resolveu por a mão na massa e denunciar publicamente os movimentos da empresa contrários aos interesses de Maceió e de Alagoas.

Há pouco mais de 30 dias, a carta aberta dos maceioense endereçada às bolsas de valores de São Paulo e de New York e aos órgãos controladores do mercado de capitais do Brasil (CVM) e dos EUA (SEC) alertava para que as autoridades atentassem para eventuais direitos feridos dos investidores interessados na empresa, em relação à informações incompletas sobre o passivo não resolvido da Braskem com Maceió e os “refugiados ambientais” que podem alcançar a casa da dezena de bilhões de reais. 

O que levou à abertura de processo pela CVM para apurar os fatos e a suspensão da venda da empresa, que aponta outras razões para tal...Outro fato recente, foi outra batalha vencida pela cidadania maceioense que desmontou a farsa que vinha sendo construída para fazer a cidade - já tão vilipendiada - engolir a seco, mais uma tramoia da empresa contra ela, ao denunciar as manobras da Braskem e da Diagonal para “controlar” a reunião para apresentação do plano de rasa qualidade, pelo que se depreende da análise da área técnica da prefeitura de Maceió encaminhada formalmente ao MPF.

Sobre o episódio, restam ainda dúvidas não esclarecidas, como o fabuloso montante do contrato celebrado entre a empresa e a Braskem para realizar a pífia proposta “sociourbanística”. Maceió exige explicações cabais para tal despautério remuneratório totalmente descabido e fora de todos os parâmetros de mercado.

É sabido que a Braskem, empresa do grupo NOVONOR (ex-Odebrecht) precisa ser vendida para o grupo saldar dívidas contraídas com os bancos. O que os cidadãos de Maceió não abrem mão é que, antes, ela terá que equacionar os problemas que provocou na cidade. Em negociações totalmente transparentes e com a participação direta da sociedade alagoana através dos que estão diretamente envolvidos na luta pelos direitos de Maceió. Não mais tratativas de gabinetes, negociações cinzentas, não mais liberdade para fazer e desfazer em Maceió.

A Braskem agora é quem deve ter pressa para resolver o imbróglio local sob pena de ver seus planos obstados pelos cidadãos de Maceió, que como já foi dito, não irão à justiça, atuarão diretamente no mercado em que ela opera, se necessário, com as mesmas armas de que foram sempre as vítimas indefesas. Agora não mais.

Sabedoria e atilamento nessa hora são regras básicas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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