colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

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E o Nordeste está dançando. De novo...

09/07/2023 - 09:39

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Agencia Brasil
Dinheiro
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Não se discute a necessidade urgente de uma reforma tributária capaz de dar um breque no “manicômio tributário brasileiro”. Muito pelo contrário. Afinal quem seria favorável – além daqueles que se beneficiam do hospício fiscal desse país - à manutenção de um sistema que de 1988 até hoje gerou nada menos que 420 mil diferentes normas, duas por hora... Ninguém merece um sistema que penaliza especialmente a classe mais pobre (o Instituto Liberal estima que um assalariado com dois salários por mês, gasta 38% da sua minguada renda pagando impostos, enquanto um cidadão rico desembolsa 7,5% da sua renda).

Todos sabem que um montante recorde de tributos resulta num alto custo para a economia, com danos diretos para a sua competitividade. Não é a toa que o Brasil se situa no 60º lugar em termos de competitividade dentre 64 países pesquisados pelo IMD Competitiveness Center. Em outras palavras, baixa competitividade é igual a subdesenvolvimento, pobreza, atraso em relação aos demais países. Este é um dos muitos “legados” do atual manicômio tributário brasileiro. É imprescindível para este país aprovar com máxima urgência a reforma tributária (que vem sendo tentada há quase quatro décadas).

Alguém aí pode estar estranhando por que coloquei a reforma no condicional quando ele foi inundado nos últimos dias pela massiva cobertura da mídia à “aprovação da reforma tributária” pela Câmara de Deputados, em Brasília. É que quase ninguém avisou ao cidadão que agora o texto votado vai para escrutínio do Senado Federal (que não por acaso, defende uma outra proposta...). Aliás, no dia seguinte à aprovação do texto na Câmara, o presidente do Senado deu uma declaração (pouco divulgada pela mídia) de que irá se debruçar com calma sobre o texto.

Traduzindo: são três as opções para a interpretação da fala do congressista: 1) irão acontecer mudanças profundas no texto (mais provável); 2) as mexidas serão cosméticas, incorporando alguns benefícios para a turma do Senado e seus lobbies preferidos; 3) uma mais radical. Vai demorar a sair do Senado. Se sair.

O fato é que a reforma votada na Câmara tem vários problemas que precisam ser sanados antes de uma versão final da Lei vir a ser promulgada pelo executivo. O próprio presidente da Câmara afirmou que foi a reforma tributária possível. No que foi seguido pelo Ministro da Fazenda e o Presidente da República.

Um parêntesis. A frase me lembrou da aprovação da reforma da Lei trabalhista (que tinha como meta principal esvaziar essa excrescência que é a justiça trabalhista) que teve suprimidas algumas aberrações mais sentidas pelo empresariado, mas passou longe e ser uma reforma. Tanto que a turma do atraso aí está querendo repor de novo todas as excrescências que foram suprimidas, como por exemplo, a contribuição compulsória para os sindicatos, uma mixórdia vergonhosa que só gerou corrupção e safadezas com o dinheiro do trabalhador.

Pois bem, quando autoridades dizem que foi feito o possível em relação a determinado tema, é por que “muita água podre passou por debaixo da ponte” para proteger lobbies, segmentos com maior poder de pressão, amigos, os próprios congressistas e outros mais...

Se não, vejamos:

O primeiro problema da reforma tributária aprovada na Câmara é que se está aprovando uma mudança – bem vinda - gigantesca no modelo de tributação do país sem que se saiba até agora qual será a alíquota a ser cobrada. Na prática é como se você assinasse um cheque em branco para o governo preencher. E todos conhecem a voracidade da máquina estatal brasileira...

O economista Bernardo Appy estima a alíquota seria de 25%. Com a montanha de desonerações que a Câmara aprovou, acho difícil. Estou mais para algo na faixa dos 29%, um aumento de 4 pontos percentuais em relação ao estudo base que deu origem ao texto da Reforma. O que nos colocaria como uma das mais altas alíquotas do mundo!

A segunda coisa que o cidadão comum precisa ficar sabendo é que a “reforma tributária” que foi aprovada, na verdade se trata de uma reforma parcial, uma vez que trata tão somente da reforma da tributação do consumo. Ela só estará completa quando incluir o modelo de tributação da renda e tiver estabelecido a alíquota tributária padrão.

Emenda “Cavalo de Troia”. No Brasil, nada que seja feito, mesmo que bem feito, não pode deixar de ter um “jabuti” no meio. Pois bem, a elogiada criação da tributação simplificada, “ganhou” de última hora um remendão que autoriza os Estados e o Distrito Federal a criarem um novo tributo local para financiar investimentos até 2043. A autorização foi incluída na “emenda aglutinativa” apresentada em plenário durante a votação. E a gente sabe como isso termina, né? O provisório lá na frente vira permanente. É quase certo que se o intrujão permanecer no texto da Reforma é isso que vai acontecer. Alguém ai lembra da Contribuição Provisória que o governo FHC impôs ao país? Pois é...

Ah! Sim, quase ia esquecendo na tal emenda Cavalo de Troia também foram beneficiados times de futebol, igrejas, dentre outros “eleitos” ao Nirvana da alíquota zero.

Para o tributarista Luiz Bichara, do escritório Bichara Advogados, “a emenda cria uma competência constitucional nova, dando autorização para que os Estados criem tributos novos”. Um “descompromisso” com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara. Nem mais, nem menos. Sabem o que vai acontecer? Logo estados ávidos de grana para serem desviadas irão criar um imposto sobre exportações, além de produtos primários e semielaborados, até 2043, pasmem! Uma iniquidade.

Já a polêmica criação dum tal Conselho de gestão centralizada da arrecadação que fará a distribuição dos recursos entre os entes federativos findou por criar um mostrengo que irá prejudicar os estados no Norte, Nordeste e Centro Oeste, uma vez que a gestão do tal Conselho será realizada pelos estados mais populosos do Sudeste e do Sul. Uma repetição do modelo do conselho de secretários da fazenda atual que é comandado por São Paulo com mão de ferro. Se prevalecer essa versão os estados mais pobres vão ficar à mercê das decisões dos mais ricos e a gente sabe como isso acaba...

O Nordeste saiu perdendo também no desenho do modelo de alocação dos recursos da União partilhados com os estados para diminuir as desigualdades regionais. Que ficou para “depois” via Lei complementar por interferência de São Paulo que não concordou com a proposta. E se sabe o que não vai ocorrer... O Senado precisa consertar essa aberração.

A Reforma tem, sim, vários pontos positivos. Nossa intenção aqui não foi o de realçá-los. Abundam informes na mídia sobre isso. Preferimos realçar problemas que precisam ser resolvidos no Senado – dando ênfase especial aos potenciais prejuízos que o Nordeste poderá vir a ter - para que a Reforma Tributária venha a ser uma ferramenta efetiva equânime de crescimento e desenvolvimento deste gigante adormecido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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