colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Por que reforma possível ?!

16/07/2023 - 08:05
Atualização: 16/07/2023 - 08:44

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Agência Senado
Carteira de trabalho
Carteira de trabalho

Em meados de 2017, o governo brasileiro sancionou a reforma trabalhista. Na ocasião os especialistas alertavam para as mudanças meia boca que foram feitas e das implicações (negativas) disso para o país e as empresas, vitimas históricas de uma justiça com lado, a do trabalhador.

Na época as duas únicas medidas de maior impacto que ela promoveu (reduziu a indústria de ações na justiça do trabalho e acabou com a famigerada contribuição sindical) estão sendo ameaçadas de voltarem a vigorar. Um atraso de vida para o país que vê sua rasa produtividade solapada ainda mais, com a aprovação de uma tal de reforma trabalhista “possível” nos discursos dos políticos e do executivo à época.

No final de 2019, foi a vez da Reforma da Previdência (havia enorme expectativa dela zerar o seu déficit que era da ordem de 7% do PIB) ser miseravelmente por Bolsonaro e sua turma para proteger milicos, funcionários públicos e outros apaniguados. Resultado: o governo estimava reduzir as despesas em 1 trilhão em 10 anos. A reforma fechou com redução para 800 bilhões e hoje não se acha que chegará à metade do previsto originalmente. Outra reforma meia-boca.

As duas juntas representam um enorme prejuízo para o país e um brutal atraso nas imprescindíveis medidas para reduzir a desigualdade no Brasil.

Pois bem, estamos agora em plena discussão da tão aguardada reforma tributária. Que os deputados federais já avisaram: votaram a reforma possível. De novo a mesma lorota. Vem aí, mais uma brutal perda de oportunidade do Brasil sair do pântano econômico em que se encontra há décadas, se nada for feito para barrar a fábrica de iniquidades que anda embutida no texto aprovado.

Na semana passada levantamos aqui os principais pontos que entendemos ferem de morte os interesses da região Nordeste. Hoje, vamos na medida do possível analisar rapidamente o quadro geral da proposta encaminhada ao Senado Federal, à luz da nossa experiência na Secretaria de Finanças da prefeitura de Maceió e mais longinquamente na assessoria técnica do Secretário da Fazenda do estado de Alagoas. Além, claro, dos cursos na área de finanças públicas que tivemos ao longo da nossa vida profissional.

O ex. ministro, ex. governador, ex. senador, ex-deputado federal e ex. professor, economista José Serra afirmou essa semana no Estadão que ”Festeja-se, finalmente, a solução mágica para todos os problemas tributários do País. O novo modelo [ aprovado na Câmara Federal] supostamente atenderá a todos os princípios que devem nortear um bom sistema de tributação do consumo: simplicidade, não cumulatividade, neutralidade, justiça fiscal, segurança jurídica, etc. Tudo isso, prometem, sem aumento de carga tributária e com ganhos de arrecadação de todos os entes federados”.

E conclui com sua mordacidade de sempre: “A impossibilidade do alcance simultâneo de todos esses objetivos é explicitada de forma indelével no texto aprovado, linhas e entrelinhas do debate e, também, na Lei Complementar que deve dar operacionalidade ao novo sistema. O que se vê é unicamente, um amontoado de lugares comuns sobre tributação e assustadoras ameaças federativas e operacionais. A definição do mecanismo de alocação da receita do IBS dos Estados e municípios exportadores líquidos para os Estados e municípios consumidores, bem como a alíquota necessária do IBS – questões centrais para a análise do modelo – são, ainda, um mistério”.

Mas tem mais. Muito mais. A ideia de simplificação, um dos pilares da reforma está indo por água abaixo com a negociação de mais e mais exceções. E isso os senhores não tenham, qualquer dúvida: quanto mais aumentam as exceções tributárias, mais a alíquota a ser cobrada aumentará. (aliás, pela primeira vez se vota uma lei dessa magnitude deixando para depois exato o item mais importante. Adivinhem o que vai acontecer se a turma não puser a boca no trombone agora...).

Aliás, nesse sentido é preciso alertar ao cidadão que essa história de alíquota única é conversa prá boi dormir. Da forma como está redigida, a autonomia dos 27 estados e 5.568 municípios está mantida para que cada um estabeleça sua alíquota. Se some a isso outras 5.597 quotas do IBS e eis que temos de volta sob o manto do novo a nova babel tributária a ser administrada. Simples assim.

A criação do IVA municipal é uma extravagância somente experimentada no mundo por 2 países: Canadá e Índia, o que por si só deixaria qualquer um de orelha em pé. Ao adotar o princípio de destino com cobrança na origem, está montada outra babel que vai prejudicar de forma direta a área de serviços e o agronegócio, o único setor que vem mantendo desempenho positivo nos últimos anos. Uma temeridade, uma vez que neste caso, o descompasso entre a compra dos insumos (tributados) e a venda da safra, deixará estocado nos celeiros um gigantesco volume de saldo credor de IBS...

Isso para não falarmos (já tratamos disso no artigo da semana passada) a inclusão de emenda “Mandrake” que autoriza os estados a cobrar impostos sobre as exportações de produtos primários. E o que dizer da manutenção do favorecimento tributário da Zona franca de Manaus? E do simples nacional?

Um outro ponto insano é o que estabelece que um tal de Conselho Federativo para gerir a coleta e a partilha dos recursos do IBS. A nosso ver uma iniciativa que além dos aspectos políticos ali embutidos (dá aos estados mais ricos a gestão do Conselho), traz no seu bojo um enorme complicador que será a operação desse sistema.

Pago prá ver como dará de forma eficaz “a mensuração online do saldo líquido das balanças comerciais interestaduais e intermunicipais para a alocação da receita dos entes exportadores líquidos para os correspondentes entes consumidores” como também duvida Serra. Só prá completar. O poder desse Conselho vai, certamente, atropelar governadores e prefeitos já que é ele que vai lidar com 1/3 da receita tributária do país que representa mais ou menos 9% do PIB nacional.

Quem sentar nessas cadeiras terá um enorme poder às mãos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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