colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Caso Braskem: a catarse de Maceió

09/12/2023 - 13:04
Atualização: 09/12/2023 - 23:23

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Afrânio Bastos
Mina 18, da Braskem, no bairro do Mutange
Mina 18, da Braskem, no bairro do Mutange

Sabe aquela história dos perigos que representa um dique represado que acumula mais e mais água? Pois é. Em algum momento as torneiras terão que ser abertas para que a torrente de água represada se liberte da “prisão” a que estava submetida e flua naturalmente para o rio em direção ao seu destino natural, o mar.

Não é diferente quando se “represa” as vontades e as emoções de um milhão de pessoas como ocorreu neste imbróglio da Braskem em Maceió, soterradas por um turbilhão de mentiras, meias verdades, anomias, prevaricações, corrupção e muita, muita incompetência de caso pensado sempre em benefício da empresa.

Uma empresa que volto a salientar mais uma vez: representa menos de 1% do PIB de Alagoas, paga uma ninharia de impostos (menos de 1,4% da receita do ICMS do estado), possui 0,18% da raquítica força de trabalho com carteira assinada em Alagoas. E mais não digo, porque não vou ficar repetindo o que venho falando há mais de três anos.

Mesmo assim, a empresa sempre teve tratamento VIP nos desvãos dos órgãos públicos, de grande parte da classe política e dos meio empresariais locais, todos – prefiro assim acreditar – encantados pelo canto de sereia da multinacional que alardeava até a chegada do nosso livro (esgotado) Rasgando a Cortina de Silêncios, o lado B da exploração do Sal-Gema em Maceió que ela representava 15% do PIB de Alagoas. Farsa desmontada no livro.

Maceió está vivendo um momento de catarse¹ coletiva como nunca se viu por aqui há muito, muito tempo. Exceto aqueles que se beneficiavam ou se locupletavam das suas relações com a Braskem, que são como sói de acontecer, poucos e poderosos, o restante da população se sente como que “liberta” dos tentáculos perniciosos da empresa que tantos prejuízos trouxeram, continuam trazendo, para o nosso estado, nossa cidade e nosso povo.

Há cerca de duas semanas, em artigo para este EXTRA disse que as coisas poderiam ter acontecido desde lá atrás de forma bem diferente. Não foram. E aí está o resultado: Maceió com mais de 15% de sua área destruída, com sua mobilidade profundamente prejudicada pela interdição e/ou destruição de importantes vias da cidade, a cidade entregue à Braskem pela prefeitura num acordo de lesa-cidade que precisa ter o olhar mais atento do MPE e dos demais órgãos de justiça.

Afora os enormes prejuízos patrimoniais, hospitais tendo que encerrar suas atividades, milhares de empregos perdidos numa terra onde impera a informalidade, milhares de alunos prejudicados ou com atraso escolar por conta de escolas fechadas e/ou transferidas para locais distantes de suas casas...

Quase 100 mil pessoas ainda não indenizadas, prefeituras da região metropolitana da capital “invadidas” por uma enorme onda migratória oriunda das pessoas expulsas de suas casas em Maceió, aumento exponencial no preço dos imóveis na cidade (Maceió é hoje uma das cidades mais caras do Brasil nessa área), perdas fiscais importantes, meio ambiente dilacerado, enfim, a lista é enorme e o espaço aqui não comporta tanta coisa.

É dela que se origina a catarse coletiva contra tudo por que as pessoas e a cidade de Maceió vêm passando nesses últimos quase 6 anos sem que aqueles que detém o poder de justiça tenham movido um dedo em seu favor.

A catarse de todos os afetados é genuína pelas razões óbvias do represamento forçado de suas emoções durante tanto tempo e pelo total desprezo às suas reinvindicações, o padrão até a semana passada nos gabinetes togados e na prefeitura e seus órgãos. A solidariedade do restante da sociedade maceioense e alagoana seguiu o fluxo natural das coisas: após o rompimento da Cortina de Silêncios imposta pela Braskem em Alagoas as aberrações aqui praticadas contra os afetados vieram à tona e o repúdio foi imediato. Que pode ser medido no gigante aumento do fluxo de dados nas redes sociais sobre o tema.

É preciso que se diga, a pesar de ainda estar tateando as bordas do problema, a mídia nacional – finalmente após 6 anos do megadesastre – teve e está tendo importante papel em fazer ruir o castelo de cartas marcadas que sempre foi a marca registrada da empresa e seus parceiros locais no tratamento de problema de tal magnitude. Sejam bem vindos. Mas saibam: ainda há muito, muito mesmo a ser desvendado. O buraco é muito mais embaixo. E não é o da mina 18.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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