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Profissões na rota da pirataria

23/08/2021 - 17:49

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Alheio aos riscos, a pirataria amplia seus passos
Alheio aos riscos, a pirataria amplia seus passos

O mercado de trabalho virou espaço sem lei, sem ética, sem profissionalismo, sem valor. Sempre teve longe do ideal - mas piorou. Virou nocivo, ameaçador, perigoso. Quem vai responder pelas consequências dessa irresponsabilidade? Os organismos punitivos fecham os olhos, enquanto a bagunça aumenta. Está escancarada a invasão dos piratas na rota das profissões. A cobiça recai justamente sobre as atividades supostamente mais lucrativas.

Quando se dá prioridade a quem não tem know-how, a tragédia é inevitável. Tudo fica no nível da superficialidade, nunca no topo. No jornalismo, por exemplo, é imprescindível, no mínimo, dominar o bom texto, com português claro, conciso e objetivo, entre tantos outros diferenciais de qualidade. Em qualquer profissão há critérios seletivos para o padrão de excelência. Como em tudo, enfim, é preciso distinguir o joio do trigo e desejar o melhor, jamais se conformar com o razoável, o parecido, muito menos com a imitação.

Alheio aos riscos, a pirataria amplia seus passos. Invadiu praticamente todas as categorias profissionais. Nem a área da saúde escapou. Antigamente a invasão se dava entre decorador e arquiteto; protético e dentista, massagista e fisioterapeuta... mas já afetou quase tudo. Com a popularização da internet, qualquer papagaio se mete a locutor, apresentador de jornalismo eletrônico e, pasmem, tem até redator semianalfabeto cheio de seguidores nas redes.

A linguagem utilizada é de poluir os tímpanos. Quanto ao conteúdo veiculado, esse é capaz de produzir no inconsciente coletivo um retrocesso humano sem precedentes. É tanta alienação que os precursores dos estudos sobre os efeitos da comunicação devem estar clamando pelo retorno à Terra a fim de frear a barbárie. A informação pode ajudar a desenvolver a humanidade ou o contrário. Tudo depende de como é utilizada.

Mas a pirataria avança em todos os campos. Nem a medicina escapou. Teoricamente, ao concluir a graduação e registrar o diploma registrado, o profissional está apto a fazer qualquer ato médico, independentemente da especialidade. Esse precedente sempre gerou controvérsias. Já causou embates entre dermatologistas e cirurgiões plásticos; endócrinos e nutrólogos, alergistas e pneumologistas, enfim, há registros de desconforto entre quem se mete na área do outro.

Ninguém puxou o freio, e o confronto foi ampliado para outras profissões. Os médicos enfrentam uma batalha desleal com outras categorias que se valem da intimidade com o jaleco e fazem procedimentos da medicina estética. Tem fisioterapeuta, dentista, biomédico, veterinário, enfermeiro e até técnicos realizando ato privativo do médico. E não é às escondidas não: tudo postado nas redes sociais.

O exército dos intrusos, seja em qual for a área, desvirtua valores, mexe com a moral, o bolso e a decência dos que investiram anos numa faculdade para, no final, ver qualquer um se aventurando em tarefas específicas do escopo da sua profissão. Frustra, inclusive, a expectativa de atuar naquilo que, de fato, a pessoa nasceu para ser. A bagunça está enorme. Tem pirataria até no tratamento de varizes. Invadiram a angiologia. Tem dentista que nunca obturou um dente, mas faz bioplastia. Ninguém estranha um veterinário tratando lesão muscular em humanos. Otorrino fazendo rinoplastia já é coisa comum. Oftalmologista operando pálpebra caída e aplicando botox na testa dos pacientes virou rotina.

Enfim, difícil encontrar quem não entre no campo do outro para ter ganhos escusos. O Instagram é o carro-chefe para iludir e atrair clientes. O que menos conta, pasmem, é a graduação, especialização, mestrado e doutorado. No lugar disso, workshops de fim de semana que mal completam 120 horas.

Como acalmar a angústia dos psiquiatras, psicólogos e psicoterapeutas? Anos e anos estudando o inconsciente humano e agora enfrentam o modismo dos coachs. E eles são muitos, estão em todos os locais: se colocam facilmente aos olhos do mundo através de encantadores posts na internet, prometendo até o impossível. Tem coach de motivação prometendo levar o indivíduo à guinada de 360 graus com técnicas surpreendentemente rápidas, usando até hipnose sem nunca ter estudado para isso. Curar traumas e sequelas emocionais não é tarefa aventureira, muito menos mágica. Invadir uma profissão aleatoriamente, sem estudo, sem aptidão, sem amor, movido unicamente pela cobiça, beira a insanidade. Mais grave ainda é recorrer a esses serviços disponibilizados à margem da rota do profissionalismo. Cuidado! Quando precisar de um profissional, independentemente da área de atuação, procure se certificar se ele tem habilitação. Até porque, entre os que têm, nem sempre há garantia da competência, imagine sem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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