Entre singular e universal: a Educação alagoana em Tarcísio à luz de Sartre
Sartre, o filósofo francês que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1964 com um livro de cento e cinquenta e duas páginas, ‘As palavras ‘, conta em sua autobiografia intelectual a epopeia de vislumbrar o gosto do mundo, no mecanismo de aprendizagem da leitura e descoberta daquele, a partir da biblioteca de seu avô. Para ele, ali era seu paraíso, o mundo estava todo ali.
A felicidade de descobrir mundos e mundos pela leitura só pode ser apreciada após um processo educacional, geralmente sustentado pelo Estado nas nações latinas. Na França, o livro faz parte da Constituição francesa, como uma necessidade. Um alimento espiritual. Entre nós, o livro fica cada vez mais caro, e assim as pessoas dificilmente trocarão um ingresso por um livro.
“Se eu tivesse fome, eu pediria livros e pães; só uma das metades seria para as necessidades nutritivas”, bradou o poeta assassinado em Granada Espanha, Federico Garcia Lorca. Esse mundo só pode ser alcançado pela educação. As possibilidades de se educar eram muito dfíceis nas décadas de 50 a 80, sobretudo para os menos aquinhoados pelo poder aquisitivo.
Tarcísio de Jesus, como seu mentor Cônego Teófanes de Barros e o amigo advogado José Areias Bulhões, espraiaram 42 ginásios em todo o Estado de Alagoas. Libertaram milhões pela educação. Eram os ginásios da rede Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, depois rebatizada de Escolas da Comunidade. Tinham uma estratégia fenomenal: cada Ginásio tinha como patrono o padroeiro da cidade. Em Junqueiro, Ginásio Nossa Senhora Divina Pastora; em Atalaia, Ginásio Nossa Senhora das Brotas ou Colégio, se estendia um curso de formação de professores(Pedagógico) ou Científico(Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, em Arapiraca, sua padroeira. Assim, os grupos políticos se alternavam no poder e deixavam incólumes as escolas da Rede CNEC.

Tarcísio não fundava apenas Escolas. Nutri-as com verbas emanadas do seu poder político na Assembléia Legislativa, onde fora eleito seis vezes, sem subir num palanque, nem fazer discurso algum. Só no Colégio Élio Lemos em Maceió, seis mil bolsas eram distribuídas para a classe média baixa e os pobres. Mas ele não descurava da qualidade: além de um excelente quadro de professores, tinha esportes e biblioteca.
Milhares venceram nas profissões liberais a partir dessa ponte consolidada de ginásios. Acabado o Ginásio(4 anos) e 4(primário), hoje nove anos e chamado fundamental, os pais ,com muito entusiasmo, conseguiam que seus filhos fossem enviados à capital para cursar o segundo grau e enfrentar o vestibular.
A educação liberta. Liberta porque destrava os grilhões da ignorância e a visão opaca da vida, inclusive promove ascensão social e econômica. A única coisa que ninguém pode tirar de você. Tarcísio libertou milhares pela educação, por isso conquistou a grande imortalidade. Aquela de quem é conhecido pelos que não o conheceram, apenas alcançados por sua obra, segundo Milan Kundera.
Essa conjuntura só pode ser entendida como ebulição pós-segunda guerra mundial, efervescência para novos cursos superiores pelo Governo brasileiro e a vontade da juventude em combater o analfabetismo com a espada de Dom Quixote, a que Tarcísio pode receber o epíteto de ‘Universal Singular ‘, a partir das considerações de Sartre no prefácio de sua monumental biografia de Flaubert ‘O idiota da família’. Afirma ele: “ o homem nunca é um indivíduo; seria melhor chamá-lo de universal singular. Porque o homem é um ser situado, universalizado por sua época, mas que nela se reproduz como individualidade. Aqui, portanto, Tarcísio se manifesta sob essas duas facetas: a universal e a singular. A simples universalização faria dele nada mais que a soma de generalidades abstratas, enquanto a singularização restringiria sua vida a uma sequência de episódios particulares. É um procedimento dialético e há que incessantemente ir de um ponto de vista ao outro: o universal, e o singular. Esta conjunção dialética fez de Tarcísio de Jesus em Alagoas o imortal da educação, agora fincada em estátua na terra natal, Junqueiro, Alagoas, nesse 24 de agosto de 2025, véspera dos seus 102 anos. Por isso e ademais Tarcísio é imortal. Imortal da Educação Alagoana e quiçá de alhures, porque muitos que estudaram nos ginásios e colégios fundados por Ele, estão brilhando como estrelas sob o céu da Pátria Mãe e ‘urbi et orbi’, pela cidade, e pelo mundo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA