Dom Avelar Brandão e senador Vilela: inteligências gêmeas, táticas opostas
Como o Primaz da conciliação e o Menestrel da Anistia moldaram a política nacional na Ditadura
Acabou de sair do forno o livro ‘Diálogo, modernização e conflito – Uma biografia do Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela, de Grimaldo Carneiro, editora da Universidade Federal da Bahia e há oito anos ‘O Senhor República – a vida aventurosa de Teotônio Vilela, um político honesto, de Carlo Marchi, ed. Record 2017. E em outubro, na Bienal do livro de Alagoas, será lançado o livro de minha autoria ‘Engenho Cambuí – uma travessia’, minha autobiografia, ed. Viva, 2025, no stand da Academia Alagoana de Letras e onde trato das duas inteligências políticas e táticas opostas em capítulo do livro que publico aqui, como palhinha para meus leitores.
Até se tornarem expressão nacional, os irmãos Vilela – Cardeal Avelar Brandão e o Senador Teotônio Vilela, o pai - enfrentaram contigências a partir de sua alteridade Intrínseca e pessoal.
Dom Avelar iniciou sua vocação no seminário Assunção da Arquidiocese de Maceió. Estudioso e capacidade de discernimento, o menino seminarista crítica um padre professor pelas aulas modorrentas e franciscanas de conteúdo. O reitor lhe impõe castigo até para o literal ajoelhar no milho por horas infindas e o conselho impõe-lhe a expulsão sem possibilidades de continuar em outra diocese. Um anjo venturoso age e deixa essa possibilidade aberta. Mas, a esse instante, o caroço de milho já tinha torturado o menino sub-reptício Cardeal até suas carnes, com infecção e deu trabalho para sarar, nos informou Téo, o filho, senador também. O pai cel. Elias não gostou nada dessa tortura clériga da Santa Madre Igreja num filho seu. Recolheu-o ao Engenho Mata Verde em Viçosa e tentou dissuadir Avelar durante um ano, dessa intenção de ser padre. Coisa que nunca deu muito valor, exceto sua mãe Isabel. O menino de 12 anos, ficou de batina no Engenho durante um ano e o velho aquiesceu. Já que não tem remédio, vamos apoiá-lo e conseguiram matriculá-lo no seminário Coração de Jesus em Aracaju. Por esse tempo Avelar já tinha devorado todo Machado de Assis e decretado: sozinho, vale por uma literatura. O tempo passa e chega o momento de listarem os que seriam ordenados naquele ano. Nada do nome de Dom Avelar na tal lista do Pe. Reitor. O arcebispo então interpela: - E o Avelar? Não está na lista? O dirigente assinala: - é muito vaidoso para exercer o ministério sacerdotal. O epíscopo determina: inclua o Avelar; se não der prá padre, dará um grande bispo!

E aconteceu: onze anos após ter se tornado presbítero, aos 33 anos de idade é nomeado bispo de Petrolina, PE. Em seguida Teresina no arcebispado e daí Primaz do Brasil em Salvador e Cardeal na mesma cidade, nomeado por Paulo VI. E ele politicamente se construiu tanto que passou a exercer o papel de moderador, seja chamado pelos trabalhadores grevistas, estudantes ou pelos militares, tal a autoridade moral; todos o ouviam, mesmo que discordassem. Transitava em campos políticos opostos na Igreja ou fora dela, Conseguia se equilibrar numa lâmina, sendo da confiança da direita e da esquerda, pela autoridade moral. Presidiu o episcopado latino-americano em Bogotá de 66/72, quando irrompeu Medellin(1968). Todos os grandes documentos da igreja latino-americana têm ele como confluência. Atualmente, no Brasil, com a nação polarizada falta um moderador Avelar.
Vamos agora ao Senador Teotônio, o pai, para posteriormente cruzarmos a alteridade da genialidade política dos dois, ambos agindo por caminhos opostos.
Teotônio já era político e a usina Boa Sorte em Viçosa ia aos trancos e barrancos, porque seu dono principal não podia estar presente diariamente. A essa altura, seu primogênito Zé Aprígio, um efebo de 17 anos, estava de dentro na usina, com seu tino inato para a administração. Teotônio teve um insight: emancipar seu menino e dar a ele o poder para administrar a indústria. E Zé Aprigio entrou impetuoso a por tudo em ordem. Começou demitindo os faltosos. Até que um dia a lista para demissão trazia um nome: Zé do Cavaquinho! Teotônio botou o dedo no suspiro: - esse não! Como?!, não demiti-lo, se é o que nunca vai ao trabalho, reitera Zé Aprígio. Teotônio oferece a argumentação genial: - porque ele cuida da MINHA’ALMA! Aí, Zë Aprígio recolheu as armas.
Teotônio que carregou pela vida inteira a vergonha de ter sido relator do impeachment do governador Muniz Falcão, na condição de deputado estadual, na anistia e nas diretas já se agigantou a ponto de virar o Menestrel. Hoje avenidas, ruas, estátuas suas se espraiam pelo apoio afora. O instante êxtase, foi quando no presídio da Água Branca em SP, visitando presos políticos, ordenou ao delegado: Abra as portas dessa cadeia!. O delegado interpela: - em nome de quem? Caiu a resposta do gênio politico: - em nome da República! As portas da cadeia foram escancaradas.Tracemos a seguir o olhar sobre a genialidade política dos irmãos a partir da alteridade. A família Vilela de Alagoas se derramou para o Brasil com duas notáveis inteligências políticas, o Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela e o Senador Teotônio Vilela, irmãos que, apesar de atuarem em esferas distintas e com abordagens aparentemente opostas, demonstraram uma capacidade ímpar de navegar por cenários complexos e influenciar os rumos do país. A análise de suas trajetórias revela não apenas a alteridade em suas estratégias, mas também a profundidade de suas capacidades de articulação e influência.
Dom Avelar Brandão Vilela: O Equilíbrio na Lâmina
Dom Avelar Brandão Vilela, o único cardeal alagoano, é um exemplo notável de inteligência política pela sua habilidade de transitar e gozar da confiança tanto da esquerda quanto da ditadura militar. Essa capacidade de "equilibrar-se numa lâmina" demonstra uma sofisticação política rara.
- Diplomacia e Mediação: Como figura eclesiástica de alto escalão, Dom Avelar possuía uma posição que lhe permitia dialogar com diferentes espectros políticos. Sua influência advinha não de um alinhamento ideológico explícito, mas de uma postura de mediação e conciliação. Ele conseguia ser percebido como um interlocutor legítimo e confiável por ambos os lados, o que lhe conferia um poder de influência significativo em momentos de tensão.
- Ação nos Bastidores: A inteligência política de Dom Avelar residia muito na ação nos bastidores. Ele provavelmente utilizou sua posição para interceder por perseguidos políticos, amenizar tensões e buscar soluções dialogadas, sem se expor diretamente a confrontos ideológicos que pudessem comprometer sua capacidade de atuação. A Igreja, em muitos momentos da ditadura, atuou como um espaço de resistência e de defesa dos direitos humanos, e o Cardeal, com sua capacidade de diálogo, certamente foi fundamental nesse papel.
- Leitura de Cenário: Sua capacidade de compreender a dinâmica do poder e os anseios de diferentes grupos permitiu-lhe adaptar sua retórica e ações para manter a confiança de ambas as partes. Isso exigia uma inteligência estratégica aguçada, capaz de identificar os pontos de convergência e as sensibilidades de cada lado.
Teotônio Vilela: A Voz da Resistência e das Diretas Já
Teotônio Vilela, por sua vez, representou uma inteligência política de outra natureza: a da coragem e da mobilização popular. Enquanto Dom Avelar operava na mediação, Teotônio empunhava a bandeira da resistência e da redemocratização, tornando-se um dos símbolos da campanha das Diretas Já.
- Coerência e Princípios: A força política de Teotônio Vilela residia em sua coerência e adesão inabalável aos princípios democráticos. Ele não hesitou em se posicionar abertamente contra o regime militar, mesmo diante de riscos pessoais. Essa postura gerou uma enorme credibilidade e respeito junto à sociedade civil e aos movimentos de oposição.
- Oratória e Carisma: Teotônio possuía uma notável capacidade de oratória e um carisma que o tornava um líder natural. Sua voz ecoou por todo o país, inflamando a população e aglutinando forças em torno da causa da redemocratização. Ele soube usar as palavras para tocar o coração das pessoas e mobilizá-las para a ação política.
- Construção de Pontes: Embora fosse um crítico ferrenho da ditadura, Teotônio também demonstrava uma inteligência política na construção de pontes. Ele conseguiu dialogar com diferentes setores da oposição, unindo forças diversas em prol de um objetivo comum: a volta da democracia. Sua capacidade de articular e formar consensos foi crucial para o sucesso da campanha das Diretas Já.
A Alteridade e a Complementaridade
A alteridade entre as duas inteligências políticas é evidente: um operava na discrição e na mediação, o outro na arena pública e na mobilização. No entanto, é possível argumentar que suas atuações, embora distintas, foram de certa forma complementares para o processo de redemocratização do Brasil.
Enquanto Dom Avelar, talvez, preparava o terreno nos bastidores, buscando acordos e aliviando tensões, Teotônio Vilela criava a pressão popular necessária para que as mudanças ocorressem. Um abria portas silenciosamente, o outro arromba-as com a força da voz e da multidão.
Ambos foram, à sua maneira, mestres na arte da política, demonstrando que a inteligência política pode se manifestar de diversas formas, seja na sutileza da diplomacia e da negociação, seja na bravura da contestação e da mobilização popular. A família Vilela, através desses dois irmãos, deixou um legado de complexidade e profundidade na política brasileira, ilustrando como diferentes abordagens podem convergir para resultados extraordinários.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA