O contrato que previa como destruir o Quilombo dos Palmares

No dia 3 de março de 1687 procuradores de Domingos Jorge Velho e do governador de Pernambuco José da Cunha Souto Maior assinaram um detalhado documento, com 16 artigos e muitas condições exigidas pelos dois lados. O objetivo era comum: destruir o Quilombo dos Palmares. Foi preciso que todas as instâncias políticas no Brasil se alinhassem, deixando as divergências de lado e aprovassem um documento que finalmente teve sua versão final assinada pelo rei de Portugal José I, o Reformado (pai da futura rainha Maria I, a Louca) em 7 de abril de 1693.
Não era tão fácil contratar Domingos Jorge Velho. Os governadores não gostavam dele – era chamado de bárbaro; os padres da Companhia de Jesus denunciavam fornicações do bandeirante, notório estuprador de índias e cercado por um harém. Jorge Velho matava por dinheiro, acumulava fortuna e muitos filhos, colecionava muitas terras principalmente no Nordeste e não falava português, apenas o Tupi. Era um genuíno brasileiro filho de português e índia, nascido na Vila de Parnaíba. E o brasileiro naquela época era tratado como alguém sem cidadania.
Os primeiros anos de vida desse mameluco ainda são um mistério, mas, ao longo do tempo, ele liderou um exército de capangas matando índios e transformando as terras ao longo do Rio São Francisco em pasto, um grande cemitério verde dos primeiros latifundiários, exterminando índios do Piauí, sua missão final. Antes, o governador de Pernambuco tinha de conquistar os negros dos Palmares, um eufemismo para a futura carnificina. Não há indícios de que o governador e o bandeirante se encontraram pessoalmente para acertar os detalhes da empreitada. A História diz que os procuradores, dos dois lados, o capitão-mor Christovão de Mendonça Arraes, o capitão Belchior Dias Barbosa e o padre frei carmelita calçado André da Anunciação, negociaram o termo chamado pelo pomposo nome “Condições Ajustadas Com o Governador dos Paulistas Domingos Jorge Velho em 14 de Agosto de 1693 Para Conquistar e Destruir os Negros de Palmares”.
A data 14 de agosto foi apenas uma das tantas que o documento registaria até ganhar sua versão definitiva. Uma destas versões, de 3 de setembro de 1691, foi aprovada por Antonio Felix Machado da Silva e Castro, o 2º marquês de Montebelo, 13º governador geral do Brasil. A definitiva, de 7 de abril de 1693, foi assinada pela Corte em Lisboa.
Bem, entre a primeira e a última versão passaram-se 6 anos, Pernambuco teve 5 governadores e a execução ficou a cargo de Caetano de Mello Castro, que ganhou a fama de vitorioso na extinção do maior quilombo das Américas.
Agora vinha a segunda etapa: seguir o contrato. Domingos Jorge Velho receberia dois quintais de pólvora, dois de chumbo (para a 1ª entrada), 600 alqueires de farinha entre milho e feijão, 200 alqueires de 2 em 2 meses, tudo em Penedo, via Rio São Francisco. Além disso, mil cruzados para compra de armas e outros apetrechos. Ele ficaria responsável pelo transporte. Jorge Velho escolheu os caminhos seculares dos índios, embrenhando-se pelo interior até chegar ao quilombo, hoje União dos Palmares.
Quando o quilombo fosse destruído, os negros capturados deveriam ser encaminhados para Recife que os mandaria ao Rio de Janeiro ou a Buenos Aires. Só poderiam ficar na capitania os filhos dos Palmares de 7 a 12 anos, que poderiam ser vendidos pelo bandeirante. As terras do quilombo poderiam ser partilhadas por Domingos Jorge Velho, mas ele teria de seguir as leis da Corte de Lisboa. Ou seja: seria um senhor submetido ao rei de Portugal.
Mas o quilombo não foi logo destruído. Após o fracasso da primeira tentativa, Jorge Velho fugiu com suas tropas para Porto Calvo. Lá ele reuniu um exército de 6 mil pessoas avançando sobre a Serra da Barriga em 1694. Como ao longo do São Francisco, as terras viraram pasto. Contrato cumprido.
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