O Paraíso das Águas expulsou seus anjos

Antes da urbanização da orla, o Paraíso das Águas era mais conhecido de forma pejorativa como uma cidade desorganizada e sem fiscalização. A faixa de areia, com suas águas mansas e quentes, era ocupada por pescadores, marisqueiros, vacarias. Aos poucos foram surgindo os sítios de coqueiros.
Para virar o Paraíso, chegou o processo de modernização, como se chamou. Isso na gestão do governador Arnon de Mello (1951-56) e a chegada de engenheiros e arquitetos ‘de fora’, além de construtoras interessadas em obras na capital. Saiu o bucolismo pesqueiro e entrou o turismo. Só não conseguiram secar e mover o mar. O resto virou especulação imobiliária. As transformações estabeleceram novos elementos e os traços históricos ligados à população trabalhadora retirados de contexto.
“O processo de urbanização focado no turismo gera a necessidade de algo novo/moderno que precisa substituir o velho, caracterizado como ultrapassado, desconsiderando os vínculos subjetivos com o lugar, os elementos arquitetônicos do passado e a produção de sentidos”, dizem os pesquisadores Sílvio Rodrigo Laurindo e Wenneth Rayare no estudo Paraíso das Águas: Urbanização Turística e Consequências Sociais do Marketing Urbano em Maceió/AL, apresentado semana passada no curso de especialização em História de Alagoas, do Instituto Federal de Alagoas (Ifal).
No caminho de sua expansão, o Paraíso das Águas construiu diferenças extremas entre áreas da elite (‘cartão de visitas’), o resto da cidade e os degenerados: grotas, encostas e a orla lagunar.
“Vale destaque a precariedade da assistência do poder público nas territorialidades destinadas à pobreza que ergue muros sociais pelos laços simbólicos da marginalidade, mas também pelas relações problemáticas de trabalho e pela desvalorização e o apagamento dos patrimônios históricos que fundamentam a identidade local”, avaliam os pesquisadores.
Quando Kátia Born pensou em urbanizar a orla lagunar também criou o não-lugar: deslocou parte da população dali para conjuntos habitacionais na beira do Benedito Bentes. Construiu um espaço urbano sem história para ajustar pessoas desterritorializadas.
Rui Palmeira também fez isso na favela de Jaraguá. Máquinas destruíram uma história de quase 100 anos. O povo, tratado como resto do resto, foi arrastado na marra para 3 quilômetros adiante, próximo à Praia do Sobral. Pescadores perderam seu chão referencial, o barco passou a não ter ligação com o mar. Navios fantasmas só atracavam agora nos portos imaginários, conjugados no passado.
O Paraíso ganhou ares de felicidade porque o potencial turístico atravessou a visão dos diferentes atores econômicos, por exemplo, grupos empresariais do setor imobiliário, redes de hotelaria e outros operadores que vão garantir os serviços que fazem parte do universo próprio da venda e consumo do lazer e do espaço. A característica principal deste movimento é a distanciamento da população local na construção de espaços urbanos. O curioso caso do Paraíso que expulsa seus anjos e eles viraram carniça.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA