História de Lourdes, professora de Campestre

Neste país criado para suprir os caprichos econômicos dos poderosos, educação popular sempre foi pauta combatida, entranhada em histórias de pelejas renhidas, marcadas por curtos avanços e longos períodos de retrocesso. Contudo, em alguns instantes da história do Brasil ações pontuais contribuíram para diminuir percentuais do analfabetismo crônico, alcançando vidas reais, além de números.
A professora aposentada Maria de Lourdes Acioly Wanderley, hoje residente em Maceió e prestes a lançar seu primeiro livro aos 83 anos, leva consigo a insígnia de ter sido a primeira docente do município de Campestre a conquistar diploma de curso superior, licenciada em Letras.
A experiência de vida que nos foi trazida pelo relato oral, somente foi possível acontecer a partir da implantação da Escola Típica Rural (ETR), política pública educacional do início da Quarta República, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1947, construiu e assegurou atividade pedagógica em mais de 6.000 escolas, especialmente nas zonas rurais.
Políticas públicas de elevação cultural, por mais simples que pareçam, chegam até pessoas comuns e mudam histórias, como aconteceu com a menina nascida em Cupira, Pernambuco, que ainda na infância perdeu a mãe para a tuberculose, que à época não tinha cura, e viveu com o pai e os irmãos na condição de moradores do campo, sem possibilidade de ir até uma escola na cidade, mas estudou porque a escola foi até ela.
Na ETR foi alfabetizada e letrada, guardando estima e gratidão a uma mestra recifense chamada Carmoniza do Nascimento Alves, para quem um dia escreveu esta homenagem: “Nas calmas horas da noite/ Um frêmito ao longe ouvindo/Penso ser as tuas aulas para mim se repetindo/ Ô querida professora/ Ô querida Carmoniza/ O teu nome na minha memória jamais esquecer precisa”.
A menina da roça se tornou jovem “lente e escrevente” no tempo e no espaço do analfabetismo, ganhando por isso o respeito do major Sebastião Marques de Mello Bastos, para quem escreveu um poema amigo, que ele levava consigo, elegendo Lourdes a mulher mais inteligente do lugar.
Da simplicidade da roça em Pernambuco para o engenho alagoano na condição de mulher casada, o amor de Edésio Acioly Wanderley, parente de um barão que viveu em Maragogi, trouxe Lourdes pela mão.
Na Fazenda Perseverança a presença da mulher letrada sugeriu a construção de uma escola, e a partir desta, a professora foi integrada à educação municipal de Campestre, cidade fronteiriça onde nasceram seus cinco filhos.
Com a criação da Faculdade da Mata Sul, em Palmares (PE), outro desafio surgiu e novos obstáculos se apresentaram, entre eles o descrédito da instituição pela boca da fofoca local e o machismo moralista que recusava admitir uma mulher deixar as crianças em casa com o marido, para ir estudar em outra cidade. Mas Edésio não bebeu dessa fonte nem proibiu a esposa de crescer intelectualmente, enfrentando as más línguas do lugar e cuidando da prole com ela, celebraram o primeiro diploma de uma professora de Campestre.
A pauta educacional do presidente Dutra com as escolas rurais está na raiz da vida culta dessa senhora que trará à lume ainda em 2023 o livro de poesias "Girando Sóis".
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA