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Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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Ralagoax e a semelhança com a tragédia alagoana

06/04/2024 - 06:02

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Ralagoax, primeiro romance do escritor Diego Farias, mergulha no crime ambiental da mineradora Lasteen Corporation, mas também revela que tudo é beira ao redor dos buracos escavados no subsolo da fictícia Ralagoax. “Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”, diz o escritor, logo na capa, abaixo do título com uma imagem de uma cratera gigantesca, onde a água desemboca na direção do vazio, enquanto a cidade se equilibra e máquinas seguem os trabalhos, “porque as atividades diárias não podem parar”.

Buraco que revelou a corrupção, o patrimonialismo, o corporativismo selvagens. Em verdade, aspectos bem conhecidos, mas para os olhos crus e ativistas buscando a sobrevivência, ainda conceitos estranhos ou enfadonhos ou bobagens porque amanhã preciso acordar cedo, enfrentar uma fila e tentar ir sentado no ônibus.

Entre os séculos 16 e 17, a real Potosí, na Bolívia, era a cidade mais rica do mundo, explorada pela Espanha até os ossos mais profundos da terra. Em “Veias Abertas da América Latina”, Eduardo Galeano disse que até as ferraduras dos cavalos em Potosí eram feitas de prata. Das glórias do passado ficaram somente as histórias. O presente é insuportável. Ralagoax, através da Lasteen Corporation, também tem seu cenário apocalíptico. Nesta terra há “um microcosmo da luta eterna entre conservação e destruição”, explica Diego Farias.

Reinaldo é o governador maligno de Ralagoax. Sua larga popularidade prioriza, na baixa, os lucros. Opera na impunidade, comprada a peso de prata, porque ninguém é criminoso sozinho. “No mundo da abundância a ganância e a corrupção podem criar desertos onde deveriam existir oásis”. Ralagoax bem que poderia ser Alagoas e sua Braskem que por décadas sugou o sal-gema, deixou o problema e levou a riqueza. Muitos lucraram nas costas do povo, como em Potosí há 500 anos. Mas Diego jura que Ralagoax não é Alagoas. Será que não?

Cida é a jornalista que investiga o crime da Lasteen Corporation, colhendo depoimentos. Brandlon é um ex-policial que teve a família assassinada. Kate, uma liderança comunitária. Todos enfrentam o “cheiro ácido que ardia na garganta”. Todos se unem na tarefa de desarticulação destas redes, contra as “forças corruptas que queriam ver Ralagoax fracassar”.

Só que tanto Ralagoax quanto Alagoas, a tarefa de derrubar as máscaras do poder é complexa e autoimune. Exige mais mãos. No livro, a solução não está mais na política-eleitoral tradicional, mas nas iniciativas populares. Porque diante das poderosas corporações que atuam abraçadas ao Governo, o discurso apaziguador da deturpação da paz e do amor serve apenas para conservar interesses.

O povo em Ralagoax se une para derrubar o governador. O escritor parte do princípio que o povo está consciente dele mesmo, domina as próprias forças. Isso no mundo da ficção. Como exigir de uma Alagoas rumo aos 400 anos um levante popular quando seus braços estão esgotados de tantos pesos carregados e voz rouca de gritar? Talvez um dia, como no livro, possamos descobrir que Justiça não é justiçamento; transparência não é promessa, mas obrigação, assim como participação no andamento das coisas. Diego Farias fala ainda em sustentabilidade. Talvez em Ralagoax ela funcione. Em Alagoas, ela arde em chamas nas fornalhas das usinas de açúcar e álcool arrasando a terra e a água, explorando o mundo como se ele fosse acabar amanhã. Como em Potosí.banner

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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