colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

Uma história do crime organizado

20/04/2024 - 06:00

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Na história recente de Alagoas, o crime organizado ganha destaque para além da crônica policial. Virou questão político-eleitoral. As ações da polícia e dos órgãos de investigação discutem o que fazer, mas um aspecto pouco lembrado é a ação dos usineiros como um dos elementos decisivos neste cenário. A expulsão de milhares de famílias das regiões canavieiras gerou uma onda de imigração para Maceió, cidade que não estava preparada para aguentar. Em 28 de maio de 1995, o correspondente da Folha de São Paulo em Alagoas, Ari Cipola, escreveu: “Usineiros destroem casas e criam favelas”. “Antônio Benedito dos Santos, 69, mora com sua família há sete meses num barraco de lona preta em Maceió (AL). Analfabeto, vive hoje de esmolas. Ele veio para a capital após ser demitido e expulso da casa em que morava numa fazenda de cana em União dos Palmares, Alagoas”.

Fernando de Jesus Rodrigues, no artigo “Trajetórias de Jovens sob Medida Socioeducativa e Fatores de Aproximação e Distanciamento de Mercados Ilícitos” (Fapeal, 3/10/2019), diz que a decisão dos usineiros “desencadeou um processo ímpar no Brasil de informalização urbana entre 1995 e 2005 em Alagoas. Destaco a transformação ocupacional e cultural de pobres migrantes que, expulsos da zona rural, darão forma a zonas de refugiados, conhecidas como ‘favelas de lona’ e ‘grotas’, e a complexos mercados ilegais associados a tais zonas”.

Em um segundo momento, bastante próximo deste episódio, ocorreu o colapso das instituições estaduais, com a renúncia do governador Divaldo Suruagy em 1997 e, no ano de 2003, a transferência do traficante Fernandinho Beira-Mar, “associado à chegada do crack a Maceió, rivalizando com a maconha”. “(…) a partir dali, Alagoas seria foco privilegiado de experimentos-piloto do governo federal na área da segurança pública, particularmente em iniciativas de transferências de presos e intervenções de forças federais no estado, visando à redução de homicídios, reforma da polícia estadual e do sistema de justiça, incluindo as instituições penitenciárias”.

Entre os anos de 2000 e 2003, há relatos, coletados pelo pesquisador, de rivalidades na Pajuçara, na rua do Dragão e na Rua da Coreia referentes aos grupos de bois-bumbá. E as tretas de sangue, nos conjuntos Mutirão 1, 2 e 3, entre os bairros do Vergel e Trapiche. Nas unidades de internação de jovens, registros desta época apontam para meninos que matavam com objetivo de “serem homens”. O assassinato por vingança, honra e virilidade. As facções formadas em Alagoas tornando-se símbolos de aliança de jovens “válidos translocalmente nas redes de ‘periferias’ entre cidades alagoanas e de estados vizinhos como Sergipe, Bahia e Pernambuco, ou acompanhando movimentos migratórios para estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rio de Janeiro e São Paulo, na busca de famílias moradoras de periferias ‘rurais’ e ‘urbanas’ por trabalho, mas também solicitando transferências, através de varas de execuções penais e da infância e juventude, para que seus jovens e adolescentes cumpram pena e medida próximo dos familiares”.

Em 2016, as unidades de internação de jovens em Alagoas captam os critérios de divisão de poderes territoriais entre o PCC e o CV. Disputa fervente em bairros mais populares da capital e cidades alagoanas. PCC e CV rompem as relações, há expulsão e fugas de adolescentes e suas famílias de bairros e cidades alagoanas, favorecendo amplas e invisíveis evacuações, rompendo redes de amizade e de vizinhança. Isso redefiniu inteiramente as fronteiras e imagens de grupo de crianças, adolescentes e jovens que passaram a ter um protagonismo tanto na política quanto na economia do crime.

Nas unidades de internação de jovens, quem não “corria junto com a facção tanto acatando ordens como aceitando os rituais de batismo para os vínculos faccionais passaria a ser visto com desconfiança e perderia o convívio com os outros. O Governo é obrigado a construir novas unidades entre os anos de 2017 e 2018 para separar estes jovens e também os rivais. Ou então os inimigos se matariam e como existe ligação entre os lados de dentro e de fora destas unidades, o sangue daria também no meio da canela nos bairros. Assim é a lógica.banner

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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