colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

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Os portos dos franceses

04/05/2024 - 06:00

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O interesse dos franceses em explorar o pau-brasil no litoral alagoano, usando os braços dos indígenas (como os caetés), dá novos tons ao período colonial brasileiro. Werther Brandão, no seu Os Franceses em Alagoas no século XVI, diz que Alagoas chegou a ter três dos chamados “portos dos franceses”. O Batel, na foz do Rio Coruripe; o “Porto Velho”, no extremo sul da restinga de Massagueira e que hoje chamamos Praia do Francês e o “Porto Novo”, que ficava na Praia de Pituba, na foz do Rio do Poxim em Coruripe.

Gabriel Soares assim descreve a presença e a função destes portos, citando os arrecifes de D. Rodrigo, local onde a nau que transportava dom Pero Fernandes Sardinha bateu em 1556 e, nadando a praia, a tripulação foi devorada no mais famoso ritual antropofágico da história brasileira.

“Da ponta da barra do Coruripe, contra o rio de S. Francisco se vai armando uma enseada de duas léguas em a qual bem chegado a terra estão os arrecifes de D. Rodrigo, onde também se chama o porto dos Franceses, por se eles costumarem recolher aqui com suas naus à abrigada desta enseada, e iam por entre os arrecifes e a terra, com suas lanchas, tomar carga de pau-de-tinta, no rio Coruripe”, escreve Soares.

Nas pesquisas de Werther Brandão, porém, há mais portos usados por estes que eram considerados invasores do litoral nordestino. À revelia de Portugal, buscavam lucrar com a exploração de novas terras na cartografia europeia.

Havia um porto dos franceses no Rio Santo Antônio que os indígenas conheciam como Jurema Peaçava ou Piaçava. Jurema significa “árvore de espinhos de odor desagradável” (o pau-brasil) em tupi e piaçava a planta fibrosa, aquela que nossos avós usavam na “vassoura de piaçava”.

Pero Lopes de Souza, em seu Diário de Navegação (citado por Brandão) diz que Martim Afonso de Souza, após a derrota dos franceses, mandou verificar se havia mais deles escondidos nos arrecifes de São Miguel, pelas bandas da Barra de São Miguel. É provável que o Rio Camaragibe também serviu não somente de esconderijo, mas também outro porto usado pelos franceses. E existem registros deles no Rio São Francisco.

Werther Brandão cita duas naus que trafegavam pelo litoral alagoano: a Saint-Malo e Honfleur. A primeira tinha o nome de uma cidade francesa, um “porto comercial chave da história francesa e célebre ‘escola’ de corsários”, segundo Alcino Leite Neto na Folha de S. Paulo, em 27/4/1995. Hunfleur é a cidade da Normandia que tinha um porto com muitos “visitadores” em direção ao Brasil da época. Os piratas da Bretanha e Normandia desenvolveram relações com os indígenas e pareciam conhecer muito bem a costa alagoana: Camaragibe, Barra de Santo Antônio, Pajuçara, Jaraguá, Francês, Pituba, Pontal de Coruripe.

A toponímia alagoana registra apenas a Praia do Francês como sinal da presença dos piratas da região europeia. Quando foram expulsos e os portugueses tomaram, de fato, posse da terra expulsando ou matando os povos originários, os lugares tiveram denominações indígenas – como Jaraguá, talvez o único nome que os franceses sabiam.

À medida que a data da descoberta brasileira se afastava e a novidade do paraíso nos trópicos instigava europeus, os portugueses foram obrigados a se fixar por aqui. Domesticavam os indígenas na marra, desenvolviam o sistema de colônia de plantação e desestimulavam mais e mais a instalação de outros povos nestas terras. Assim foi destruída a feitoria francesa em Pernambuco. E Martim Afonso de Souza, ao chegar em 1531, misturava as funções cartoriais e de polícia. O resto, como sabemos, é história.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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