Encontro com Aziz Ab’Saber em Porto Calvo
No final da década de 80, o Brasil sonhava, apesar do cheiro de autoritarismo que ainda pairava no ar. Era o momento exato de encontro das forças progressistas, sob os impulsos de uma ideia de redemocratização, que, apesar dos romantismos e das anistias, permitia que emergissem pensamentos, posições políticas e afinamentos de vozes em busca de um futuro sustentável, liberto, vencedor da fome e dos maus-tratos às pessoas.
Período da minha juventude. Tempo do meu primeiro voto aos 17 anos, obviamente em Luiz Inácio da Silva, aquele a quem Fernando Collor de Mello chamara de “sapo barbudo” e profetizava que iria “morrer na praia”, mas era somente um início de uma história a tomar força política, ímpeto de avanço, no intuito de quebrar paradigmas e abrir acessos a uma nova perspectiva de país.
Lula andava bem acompanhado. Em uma de suas visitas a Alagoas, rumou para o assentamento Conceição, em Porto Calvo, com uma caravana formada por pessoas conhecidas e desconhecidas do povo, mas todas motivadas pela possibilidade de mudança pelas vias democráticas, entre elas Heloísa Helena, que sabia comover o público com uma retórica apaixonada e vinha do chão universitário alagoano, e o renomado geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, conhecido internacionalmente pelos seus posicionamentos em defesa do meio ambiente e preservação da biodiversidade.
Estamos no ano que celebra o centenário de Aziz, um dos responsáveis pela evolução da Geografia Física no Brasil, mas também um intelectual que caminhava com o povo, para compreender estes caminheiros e suas estradas. Assim se deu nosso encontro, único e memorável, quando de improviso me chamou para entregar um questionário escrito naquela mesma hora, onde buscava saber minhas impressões sobre a vida no assentamento, deixando seu endereço em Cotia, São Paulo, para que enviasse pelos Correios.
Estávamos em um evento disputado, não tinha como lhe explicar que eu não era uma pessoa assentada, apenas foi possível registrar em fotografia que estive próxima desse grande cidadão e por muitos anos guardei seu endereço, até que uma das enchentes do Rio Camaragibe levou minhas papeladas e o perdi.
Nas Ciências Sociais, anos depois, o reencontrei ao estudar Geografia Humana, e percebi o quanto Lula era bem assessorado nos idos tempos do século XX. Quando um infarto do miocárdio o levou, eu lecionava Geografia na Escola Estadual Rodriguez de Melo, no Vergel do Lago, em Maceió, e senti muito sua passagem. Minha paixão por geografia não é descontextualizada. E sei que gerou frutos, porque um dia encontrei uma ex-aluna da citada escola estadual que me afirmou sobre a importância das minhas aulas para sua vitória no vestibular da Ufal, era aluna de Matemática.
Neste centenário do geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, que um dia acompanhou a caravana de Lula, reafirmo a convicção de que ser assessorado pelo mercado foi a pior opção do nosso atual presidente, pois o liberalismo econômico não tem compromisso com os jovens assentados nem estimula os alunos pobres a adquirirem conhecimento. As valas sociais são mantenedoras das violências e do autoritarismo que está pairando no ar.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA