O ‘fundo dos Correios’
No Sítio Santana, zona rural da cidade pernambucana de Triunfo, mora seu Lourival, 88 anos. Ele ainda lembra de algumas partes de Maceió (a Avenida Rotary, a Ponta Grossa, o Tabuleiro dos Martins) quando vinha à capital alagoana a trabalho e na juventude.
Mas a memória guarda detalhes da Rua do Sol. Ali, com dois serventes, construiu o prédio de dois andares anexo à agência central dos Correios ou “no fundo dos Correios”, segundo ele mesmo diz e para ser mais exato.
Prédio que permanece até hoje, de pé, sem nenhuma referência aos três trabalhadores. A agência dos Correios no Centro foi inaugurada em 1934. Foto de 1950 mostra o prédio, mas ainda sem o anexo, talvez construído a partir da década de 60.
Seu Lourival é mais conhecido como Pessoa. Ao invés de decorar nomes, chama os que chegam de pessoa, daí o apelido. Trabalhou também como carpinteiro, ajudante de necrotério. As habilidades em uma região cercada de pedras tornam a família bastante conhecida em Triunfo, cidade sertaneja e historicamente castigada por severas e longas secas.
Quando a necessidade acua os homens, sobreviver vira obrigação.
Lourival é filho de Seu Neco, nascido em 1900. Em 1930 a grande seca fez seu Neco cavar, sozinho, uma cacimba. Alguns metros depois, a água brotou do chão. Mas não era suficiente. Então ali próximo começou a escavar um buraco que se transformou num túnel, ligado ao fundo da cacimba em formato de V. Mais água. Tratado como maluco, seu Neco virou visionário; no teto do túnel, empilhou pedras para segurar a estrutura que também virou um filtro natural. Quando chovia na superfície, a água serpenteava as pequenas brechas, guiada pela gravidade. Vencidos aqueles obstáculos, ressurgia limpa e em gotas no teto do túnel, pingando na cacimba. Os romanos conheciam esta técnica.
Mas seu Neco aprendeu com a experiência, o passar de uma tecnologia milenar de geração a geração.
Assim como Pessoa aprendeu a ser pedreiro, sem ler nem escrever, vendo o pai construir a própria casa toda de pedra.
“Ele fez até aquela cumeeira ali”, lembra. O resto foi por conta e risco de Pessoa. Trouxe a experiência para Maceió, no prédio no fundo dos Correios. “Está lá até hoje, de pé”. Está sim.
A história – sempre viva – agradece a personagens como Pessoa.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA