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Odilon Rios

Jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

O comunista Graciliano escolheu um socialista

25/01/2025 - 06:00
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O crítico literário e professor Antônio Cândido teve três encontros com Graciliano Ramos. O primeiro foi como leitor. Viu na prateleira Caetés, lançado em 1933, com capa de Tomás Santa Rosa. Não se interessou pelo livro.

São Bernardo veio em 1934. Foi mais interessante, disse Cândido. Aquela narrativa do típico capitalista brasileiro do interior, burguês e bruto (ou embrutecido), patriarcal com ares imperiais, atraiu sua atenção. “Não sou capaz de dizer quantas vezes li São Bernardo. No mínimo 20 vezes”, afirmou Cândido bem mais tarde, em depoimento sobre os 75 anos do livro Angústia.

Leu Vidas Secas: “Outra obra-prima”. E também Angústia: “Estranhei um pouco. Aquele escritor seco, contido, estava muito abundante, pouco gorduroso. Gostei muito, mas não era o nível dos outros”. O livro foi recebido pela crítica com muita reverência. O primo de Cândido, que estudava Medicina, resumiu: “Saiu o livro que é um verdadeiro Dostoiévski”.

Finalmente, reencontrou Caetés, aquele livro que viu na livraria, mas não comprou. “Pareceu bom, mas inferior aos outros”. Uma estudante venezuelana, orientanda de Cândido, mudou sua ideia sobre a estreia de Graciliano na literatura.

Então, veio o segundo encontro com Graciliano, já como crítico. Antônio Cândido recebeu Infância diretamente do escritor. “Fiquei deslumbrado”. Releu os outros livros de Graciliano e dedicou uma resenha a cada um. “Ele já era considerado por todo mundo como autor supremo”.

Graciliano respondeu com uma carta. Em 1947, pediu para se encontrar com Cândido no Rio de Janeiro. “Homem de pouca fala, bem educado, distinto, dessas pessoas que se impõem”, resumiu Antônio Cândido. Insistentemente provocado, Graciliano revelou estar escrevendo Memórias do Cárcere.

Em 1947, saiu a primeira edição uniforme das obras de Graciliano, e ele enviou cada livro a Cândido, com dedicatórias:

Em Angústia: “Antônio Cândido, além das partes rudes já corrompidas, vão aqui alguns erros e pastéis que as tipografias andam uma lástima”.
Em Insônia: “Ao Antônio Cândido, esta coleção de encrencas, algumas bem chinfrins”.
Finalmente, o terceiro encontro com Graciliano ocorreu após a morte do alagoano. O crítico literário foi chamado pela editora José Olympio, que preparava edições especiais em homenagem ao escritor. Antes de morrer, Graciliano havia deixado um recado para a editora: “Queria que a próxima edição de suas obras tivesse uma introdução minha”.

Cândido aceitou, mas estranhou a escolha porque Graciliano era filiado ao Partido Comunista e ele, ao Partido Socialista. “E as esquerdas se odeiam mais entre si que os piores inimigos existentes na direita”.

Naquele instante, porém, prevaleceu a distinção do ser humano que se impõe – aquele que Antônio Cândido conheceu e testemunhou no encontro de 1947. O Partido Comunista torceu o nariz para a decisão de Graciliano Ramos.

Se estivesse vivo, contudo, o alagoano não se importaria. Afinal, a palavra seguia sua própria rigidez disciplinar, algo quase missionário. E dita por alguém como Graciliano. Porque a palavra foi feita para dizer. E quem tiver ouvidos, que ouça...

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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