Senado

Projeto que restringe o aborto legal avança e ameaça vítimas de estupro

Especialistas alertam para retrocessos e violação de direitos fundamentais
Por Redação 15/10/2025 - 07:19
A- A+
Jefferson Rudy/Agência Senado
O senador Magno Malta é autor da proposta
O senador Magno Malta é autor da proposta

O Senado Federal deve se debruçar nesta quarta-feira, 15, sobre o Projeto de Lei nº 2.524/2024, de autoria do senador Magno Malta (PL-ES), que propõe reconhecer a “presunção absoluta de viabilidade fetal” a partir da 22ª semana de gestação. A proposta será discutida na Comissão de Direitos Humanos (CDH), que é presidida pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), e tem suscitado uma forte oposição por parte de organizações que defendem os direitos humanos e da infância, as quais alertam para os perigos de retrocessos e de violações a garantias constitucionais.

De acordo com uma nota técnica divulgada pela campanha Criança Não é Mãe, o projeto limita o aborto legal no Brasil e “transforma o Estado em agente de reprodução da violência sexual e institucional”, ao impedir o acesso ao procedimento mesmo em casos de estupro — direito previsto no Código Penal desde 1940. O texto afirma que privar as meninas desse direito é submetê-las a tortura ou a tratamento desumano e degradante, em afronta à igualdade, à dignidade da pessoa humana e à saúde, todos previstos na Constituição.

“O PL 2.524/2024, na prática, obriga meninas e mulheres estupradas a manter gestações forçadas, configurando tortura física e psicológica. Muitas vítimas só procuram os serviços de saúde após 22 semanas porque demoram a entender a violência que sofreram ou a reconhecer a gravidez, além de enfrentarem desinformação e exigências burocráticas indevidas”, diz Carla Angelini, coordenadora da organização Católicas pelo Direito de Decidir. “Proibir o aborto nessas circunstâncias é condená-las à maternidade forçada, à perpetuação do trauma e ao risco de morte”, conclui.

A nota técnica ainda destaca que o projeto fere acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Americana de Direitos Humanos, ao limitar o direito à saúde, à autonomia e à igualdade de meninas e mulheres. Os dados evidenciam a seriedade da questão. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 revela que, em 2024, foram registrados no Brasil 87.545 casos de estupro e estupro de vulnerável, com 76,8% das vítimas tendo menos de 14 anos, a maioria meninas negras. De 2014 a 2023, foram registrados em média 57 nascimentos diários de meninas entre 10 e 14 anos, mas apenas 828 conseguiram realizar um aborto legal nesse intervalo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que as complicações na gravidez e no parto são a segunda maior causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. Entre 2018 e 2023, uma menina entre 10 e 19 anos morreu a cada semana no Brasil devido a complicações da gravidez.

“Negar o aborto a meninas vítimas de estupro é negar a proteção integral e a dignidade humana garantidas pela Constituição. Não cabe ao Estado fechar os olhos para uma violência e depois punir as vítimas com a maternidade forçada”, diz Rúbia Abs da Cruz, coordenadora do Cladem Brasil. De acordo com ela, forçar a maternidade em meninas e adolescentes é “uma ruptura profunda em seus projetos de vida”, o que as impede de ter estudos, empregos, e uma vida autônoma, e ainda perpetua ciclos de vulnerabilidade econômica e social.

Leia mais sobre


Encontrou algum erro? Entre em contato