colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

Nasci só, morro só!

07/04/2024 - 06:00

ACESSIBILIDADE


Desde pequena, ouço os mais velhos dizerem isso. O sentido da frase é mostrar que não precisam de ninguém.

Vi na TV que um casal de velhos num país da Europa onde existia a eutanásia fez um acordo para os dois morrerem juntos. E assim fizeram; faleceram no mesmo dia. Nos casamentos longos existe o fantasma de um ir e o outro ficar. Já estou vivendo tal fase. A dúvida é muito grande: O que faremos um sem o outro? E não sabemos responder. A vida na velhice não é fácil.

Estamos sempre pensando que a morte está próxima. Acordo-me pela madrugada, olho para o companheiro e peço a Deus para me levar primeiro. Ele, meio cético, muito religioso, preocupa-se menos do que eu e de vez em quando, repete: “Nasci só, morro só”.

Há 88 anos, nascia, agasalhado num lençol de esperança – Sílvio Hermano Bulhões, motivo de orgulho para os sertanejos encravados na terra de Breno Acioli. Para a alegria de sua mãe, a saudosa Dona Dadá, mergulhou num manto de felicidade e, como forma de redenção, nasceu um ser que anunciaria a paixão dos sábios. O Deus onipotente, em “sorriso” de contentamento, festejava mais uma obra como artesão universal. A sabedoria dos homens é proporcional à grandeza do que Ele é capaz de construir.

Cristiano, mais conhecido como Corisco, um dos Reis do Cangaço em épocas distantes, ao mesmo tempo em que agia com a truculência de um premeditado ao infortúnio da relação social, um relâmpago de sentimento paterno fazia renascer a flor encantadora de um pai que ama, verdadeiramente, seu filho, em qualquer circunstância.

Boba sou eu! Quando meu pai morreu, aos 67 anos, minha mãe ficou meio perdida e entrou em depressão. De vez em quando, ela dizia: “João, venha me buscar”.

Uma grande amiga minha ficou viúva, após mais de sessenta anos de casada. Fui visitá-la no seu aniversário e ela repetia que o falecido esposo viria buscá-la. Estou esperando! Na Semana Santa, um neto me perguntou: “Vó, você sabe onde está o tio João falecido há dois anos”? “Ele está bem”? Assustei-me, parei, pensei e respondi: Eu não sei onde ele está e se vai bem; rezo por ele e o entrego a Deus. O neto bem sério, nos seus trinta anos e um pouco especial, prosseguiu: “Vó, fique tranquila, ele está bem”. E continuou: “Meu pai, também falecido pouco antes, é que está meio ruim”.

Donde ele tirou tal ideia, quem não sabe sou eu. No feriadão reunimos parte da família de meu marido em nossa casa, pouco mais de vinte pessoas. De repente uma sobrinha, um tanto louquinha, olhou para minha filha e disse: “Quando seus pais morrerem, você terá que reunir a família, como agora”. Minha caçula se assustou e respondeu: “Eu não”. Parece que as pessoas não querem ver os idosos felizes. Olham para eles e pensam sempre que vão morrer. Vejo exemplos de pessoas que chegaram aos noventa anos com lucidez e trabalhando.

A atriz Fernanda Montenegro é um desses casos. Tenho uma velha amiga, com noventa e seis anos, ajudando netos e bisnetos; é outro exemplo de vida longa e profícua. Conheço um ex-deputado de Palmeira dos Índios, que foi Presidente do Legislativo alagoano, ainda vivo, bastante lúcido, passando dos noventa. Vários são os casos idênticos. Entretanto, meu filho João, foi embora, jovem, com 54 anos. Recentemente, soube de alguns amigos lutando contra o câncer e não chegaram aos sessenta anos.

São casos para refletir. Há poucos dias, vi um filme muito triste! Seu título: Cartas para Deus. É a história de um pequeno garoto de doze anos, com câncer na cabeça. Sofreu muito e antes de morrer, com a mesma idade, pediu a Deus ajuda para a mãe e vários amigos. Ainda hoje, fui pagar um botijão de gás e dois garrafões de água, apresentando os meus valores. O jovem atendente fez as contas erradas, insistiu em ligar para o patrão e confirmar o preço de tudo. Feito isso, viu que eu tinha razão e pediu desculpas. Mas não confiou no meu resultado.

Irritada, disse: “Sou velha, mas gosto de matemática”. Tenho duas cuidadoras lindas e maravilhosas, que são minhas filhas. Vez em quando se assustam e gritam: “Mãe, não é assim”! Calma, digo eu e rimos as duas. Mas, são respeitosas e cuidadosas. Tentamos viver e conviver com médicos, remédios, laboratórios, empregados, parentes e bons amigos. Esperamos pela vontade de Deus para nos levar quando for a hora. Sei que vou só, não sei para onde, mas tentei ser feliz, respeitar o próximo, amar os que me amam, acreditando Nele. Nasci só, morrerei só!banner

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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